LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
A Convidada Italiana
Luisa Costa Cisterna
Calgary/Alberta, Canadá
Foi um daqueles dias no trabalho! Minha ideia era chegar em casa e
desacelerar ficando sozinha no refúgio do meu quarto. A porta fechada
significaria para meus filhos e marido que a maré não estava para peixe e que a
mamãe não iria ouvir reclamações e desabafos, pois já tinha ouvido demais dos
alunos que não passaram no curso que ensino numa faculdade aqui nas terras
geladas do Canadá. Não! Eu queria silêncio.
Parei meu carro na garagem e entrei pela porta dos fundos de fininho. Não
acendi a luz para não dar o alerta da minha chegada. Em princípio, as vozes
indistintas que vinham da cozinha não indicaram nada fora do normal, da rotinha
pós jantar. Entrei e deparei-me com panelas empilhadas na pia, farelo de pão no
chão e copos espalhados pelo balcão. Minha irritação inicial só piorou quando
meu olhar aturdido pousou na mocinha de cabeça raspada de um lado e cabelo
curto encaracolado do outro. Seus olhos brilharam por trás das lentes dos óculos
de armação azul. Meu marido fez as honras da casa nos apresentando:
– Essa é a Chiara! Lembra que avisei que ela viria jantar aqui?
Não. Não lembrava, mas em vez de dar uma olhada fulminante para meu
marido, sorri com o melhor dos meus sorrisos amarelos e menti:
– Claro que lembro!
Sem opção de correr para meu quarto para não parecer antissocial (por que
as pessoas introvertidas são sempre acusadas de antissociais?), sentei-me à
mesa com meu filho mais velho e a mocinha italiana, enquanto meu marido
lavava a louça sorrindo, sem entender patavinas do que os dois jovens falavam
sobre vídeo games de estratégia de guerra.
Belisquei o resto de prosciutto com ciabatta, prestando pouco atenção à
conversa. Ouvi, sorri, comi um pedaço de salame. O assunto deu uma guinada e
foi para os lados de genealogia dos imperadores romanos. Joguei uma azeitona
na boca, quase errando o alvo, quando a jovem italiana explicou seu parentesco
com a nobreza do seu país. Mais uma curva acentuada e começou uma sessão de
literatura. Quando dei por mim, estava envolvida até o último fio de cabelo numa
conversa acalorada com a mocinha sobre catarse no desenvolvimento de
personagens de romances na literatura mundial. Falamos de Dante Alighieri,
10