LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Camões, Machado de Assis. Logo, a conversa foi de Tolstoi à culinária, das
Grandes Guerras a línguas latinas. Atraídos pelo piano no canto da sala,
cantamos (ou, meus filhos cantaram) o Hino Imperial Russo, uma música italiana
e outras em português (claro, o fado “Saudades de Coimbra”, com participação
especial do meu filho mais novo pianista com ouvido semiabsoluto, segundo fui
informada pelo professor de piano).
Depois da sessão musical, começamos a fuçar minha estante de livros e
descobrimos cópias duplicadas de alguns títulos de C. S. Lewis e G. K. Chesterton
(minha mania de sair clicando no website da Amazon sem checar primeiro o que
tenho nas prateleiras). Dei para nossa jovem convidada minha amada cópia de
The Abolition of Man, despedindo-me do livro com um beijinho, dizendo a ela que
eu sabia que o leria e cuidaria dele com zelo. Foi um momento emotivo de
separação do meu livro de capa azul todo marcado de canetinhas coloridas. As
horas foram passando e a conversa tomando rumos inesperados como aquelas
estradas sinuosas sem muita sinalização, mas que a cada curva damos um
suspiro com a maravilha da paisagem.
A convidada parecia uma daquelas perfeitas personagens de filme europeu, a
figura central que cativa jovens e velhos, cultos e simples, homens e mulheres.
Meu marido e meu filho disputavam comigo a atenção da moça que, por sua vez,
explicava seu último projeto na universidade sobre Pablo Neruda. O assunto
depois disso foi mais suave e contei para ela do meu cachorro recém-falecido de
tumor no cérebro. Com a voz embargada, a convidada pediu para ver uma foto
do nosso Guido (nome mais italiano impossível) e aproveitou para contar do seu
gato (com um nome italianíssimo também) que, de tão grande, às vezes é
confundido com um lince.
Se eu cheguei em casa cansada e irritada, já não me lembrava mais. As
queixas dos meus alunos de que não era justo terem que repetir o curso foram
relegadas a algum canto escuro na minha mente. Minha introversão e
necessidade de recarregar as baterias ficando sozinha já não faziam mais
sentido. Ali, no meio da sala de visitas, de pé ao lado da estante, permanecemos
imunes às horas que passavam como no relógio de Salvador Dali que derrete
frente à inutilidade de contar um tempo que não pode ser mensurado por
minutos. A jovem convidada italiana deixou a marca da sua presença gravada na
minha mente cansada da rotina e abriu portas e janelas para mundos pouco
explorados. Talvez ela não tivesse, de fato, vindo da Itália, mas de alguma terra
fantástica das páginas de um livro.
https://www.facebook.com/luisa.cisterna.7
11