LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
você adora.
Como assim? Desde quando homem ajuda mulher na cozinha e ainda a
manda descansar? Hoje mesmo meu namorado me mandou arrumar algum
emprego na parte da tarde, alegando que ao invés de estudar, eu ficava o dia
inteiro a toa.
Esse casalzinho só podia estar de brincadeira comigo, fazendo encenações
para me atingir. Deviam imaginar que eu tenho horror a quem vive a vida como
se não existissem problemas ou sofrimento.
Jogo o caderno na mesa e desisto de estudar. Ligo a TV pra ver se pelo
menos assim não ouço as sandices desses meus vizinhos asquerosos. Vejo
noticiários com as seguintes chamadas: “Marido mata a mulher depois de flagrá-
la na cama com outro”, “Mulher esfaqueia namorado por ele ter se atrasado 30
minutos para chegar em casa” e penso: Essa é a realidade em que vivemos, o
resto é ilusão e percebo que não teve nada de errado ou anormal quando joguei
o celular na cara do meu namorado por ele ter se recusado a me deixar ler suas
mensagens. Anormais são meus vizinhos, que ficam fingindo ser o casal perfeito.
Decerto quando um deles saía de casa sozinho ia se encontrar com o amante.
Desligo a TV e tento dormir, quando sou obrigada a ouvir , novamente, as
palavras melosas de ambos e, consequentemente, imaginar o que eles poderiam
estar fazendo. Como podiam ser tão ridículos? Tudo deveria ser tão monótono,
não se ouvia um xingamento sequer, um barulho que indicasse um pouco de
vivacidade entre o relacionamento deles, uma palavra que demonstrasse euforia.
No outro dia, levantei cedo, e ao passar pela porta da casa deles, já que
morávamos no mesmo terreno, me deparo novamente com mais uma cena que
me enojava:
— Amorzinho, o café tá na mesa. Fiz os ovos mexidos que você gosta.
— Obrigada, anjinho. Já estou indo.
O marido aproxima-se, senta-se ao lado da esposa e, bem juntinhos,
começam a tomar café. Nem para tomar café eles poderiam desgrudar-se um
pouco?
Devido a um problema com um cliente, atrasei-me na saída do trabalho e,
quando cheguei em casa, já estava meu namorado na porta, gritando, aos
berros, que eu devia estar com outro, que se pensava que ele era burro, estava
muito enganada, que aquilo não iria ficar assim, uma hora ele ainda me pegaria
no flagra.
Depois de muitos insultos, de ambas as partes, mandei-o ir embora e entrei.
Ainda bem que o casal chiclete ainda não tinha chegado em casa e pude ter paz
para pensar na vida, no meu relacionamento que, apesar das turbulências, era
um namoro real, sem hipocrisia.
Tentei estudar um pouco, à tarde, mas meus pensamentos interrompiam
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