Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 131

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 peles. Estão ocupados demais controlando, com bastões eletrificados, a besta alada que carrega o trenó. Os olhos de Noel esbarram no cemitério dos duendes atrás da usina. Valas coletivas onde milhares de pequenos cadáveres repousam; fome, frio, doenças e maus tratos. Não há um traço sequer de culpa ou arrependimento na face cadavérica de Noel. Os duendes se agarram onde podem; não há espaço para eles a bordo. A besta lentamente movimenta suas asas para cima e para baixo e num solavanco deixa o solo, levantando uma nuvem cinzenta de neve e fuligem. Durante a longa viagem ele pensa nos inúmeros pedidos que tem para atender. Os presentes, que repousam num buraco negro capturado na sua vã tentativa de dominar a galáxia, tem endereços certos; arsênico para um casal de idosos na américa do sul. Uma corda resistente para um enforcamento no Texas. Uma faca bem afiada para os pulsos de uma dona de casa nos arredores de Paris. Uma pistola carregada para um adolescente em sua escola. Por horas as chacinas prosseguem. Suas roupas, mesmo nunca tendo sido muito limpas, agora tem manchas coaguladas e o cheiro de pólvora é insuportável, mesmo àquela altitude. Os duendes têm os rostos cobertos de sangue, visto que este é o único momento de suas vidas miseráveis em que conseguem um pouco de carne para saciarem a fome permanente que lhes acompanha. Todavia, antes de retornarem para a fábrica, ainda há uma última parada. Um vilarejo em meio as montanhas geladas onde, atrás de um velho portão enferrujado, vinte casas existem. Numa delas há um pedido especial; a menininha de aproximadamente 7 anos lhe escreveu exigindo a morte de seus pais. A besta alada aterrissa do lado de fora da vila e a macabra comitiva adentra. Não há ninguém nas ruas. Alguns cadáveres apodrecem nas calçadas. Deles os duendes ainda tentam sorver qualquer tipo de alimento fresco, mas estes há muito já congelaram e de tão magros, nem vivos lhes serviriam. Silenciosamente eles param na frente da janela. Observam a sala onde uma tímida brasa ilumina o ambiente sem móveis. Uma mulher está caída com uma seringa na veia. Inconsciente ela não percebe que a porta é aberta e junto com o frio os malditos entram. Assustado com o barulho, de um dos quartos irrompe um velho descamisado, afivelando o cinto e gritando para os intrusos. Atrás dele a chorosa menininha caminha e fica feliz em ver o Senhor do Norte. Seu pai também o reconhece e implora por sua vida miserável. Ele bem sabe que quando Noel entra em alguma casa, de lá não sai até que sangue seja derramado. Com um par de correntes, que parecem ter vida própria, ele laça o velho molestador; um dos ganchos se prende a sua jugular e ele já começa a se afogar no próprio sangue enquanto assiste a turba enfurecida de pequenos seres abissais arrancarem pedaços de carne de sua esposa. Noel mais uma vez fita o velho, antes de enfiar seus longos dedos de unhas sujas e compridas nos olhos do homem e lentamente afundá-los. Do cadáver fresco a sobremesa foi feita. O Senhor do Norte olhou para a menina que sorria enquanto seus pais eram reduzidos a poças de vísceras e sangue no assoalho. Cansado pela noite de trabalho, Noel sentou-se no chão e olhou em volta. Acendeu o cachimbo e 125