Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 130

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 O Último Natal Vitor Luiz Leite Rio de Janeiro/RJ É mais um natal! Contudo não mais como sempre fora. Após séculos de infelicidades o mundo agora é apenas um planeta recheado de miséria, depressão e crimes. A sociedade moderna adoeceu a tal ponto que não havia mais retorno ao mínimo do tolerável. O resultado disto foi a completa implosão das estruturas civilizacionais, empurrando cada canto do globo à barbárie e ao caos. Longe de conseguir ordenar este pedaço do cosmos, Papai Noel tomara para si o controle do mundo. A terra estéril e desértica consegue ser percebida de longe. As inúmeras chaminés do gigantesco parque industrial, cospem na atmosfera imensas cortinas de fumaça negra; o ar da cidade é praticamente sólido. Desde o fim da guerra todo dia é natal. As pessoas, agora sem freios morais, valores atemporais ou qualquer lei que lhes resguarde uns dos outros, vivem à mercê da própria sorte sob as botas do outrora bom velhinho. Este por sua vez, também reflete o paraíso de dor e sofrimento onde lançou o mundo. Sentado em sua poltrona, feita com a pele seca e grossa de Krampus, o demônio derrotado na guerra, ele termina de ler a última carta que lhe foi entregue por um dos duendes moribundos. Ele encara a cabeça empalhada de seu rival na parede perguntando-se se realmente tudo valeu a pena, agora que não há mais terra para ser conquistada. Fumando um comprido cachimbo e bebendo em um dos chifres da besta, por mais uma vez ele se prepara para sair e cumprir com seus entediantes afazeres. Na cidade industrial onde outrora brinquedos e doces eram produzidos, toda sorte de instrumentos mortais é fabricada. No setor 3-B, o laboratório, os mais variados venenos são manufaturados e abaixo, nas caldeiras, a metalurgia produz objetos cortantes enquanto, manualmente, as mais variadas armas de fogo são montadas. Sua esposa, uma prostituta aidética, lhe avisa sobre o trenó que lhe aguarda lá fora. Ele se levanta e se olha num comprido espelho ao lado. Diferente da figura sorridente e bonachona que já há muito fora esquecida, Noel tosse um bocado de sangue, que enxuga nas mangas da casaca vermelha. Está magro e seus olhos fundos e amarelos mostram que, assim como todo o resto, ele também definha vagarosamente. Sua pele arroxeada e seu rosto senil denunciam a sua depressão e autodestruição. Ele nem ao menos olha para a esposa quando sai. Caminhando pelos sombrios corredores ao arrastar as correntes que pendem de sua roupa, ele passa por seus escravos que, ante a sua presença, curvam-se temerosos a fim de evitar as surras que os levam ao óbito. Lá fora, em meio ao deserto de gelo, meia dúzia de duendes tremem e fraquejam enquanto o vento frio corta suas 124