Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 132

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 baforou de forma entediada. Já não havia mais graça naquilo tudo. Sua vida era uma eterna rotina de brutalidade sem sentido que há muito já não o satisfazia. Não haviam mais terras a serem conquistadas. Os limites do seu mundo já haviam sido traçados com morte e violência. Ele não mais se saciava ante ao que criara. A criança se aproximou com um olhar piedoso. Noel encarou seus olhos mortais por alguns segundos antes de, num golpe seco, atravessar seu tórax com uma das correntes. A garotinha sucumbiu aos seus pés. O sangue do ferimento se espalhou pelo piso. Ele observou com curiosidade a vida deixando seu pequeno corpo. Olhou em volta e baforou mais um pouco. Não havia em sua mente mais nada que se pudesse fazer em nome da matança desenfreada que promovia. Logo os duendes se reuniram a fim de saciar sua fome eterna com aquela pequena porção. Papai Noel apenas observou e nesse momento teve uma epifania. Os milhares de escravos que lhe temiam eram praticamente incontroláveis. Apenas ele, pela força bruta, lhes domava. Entretanto ele pensava que sem sua presença a fim de domesticá-los e puni-los, eles consumiriam o mundo espalhando suas nefastas presenças a fim de infligir maior dor à humanidade, vista por eles como a causa de seus sofridos cativeiros. As correntes tilintaram no piso. Atravessaram seu magro corpo e retalharam sua carne frente ao espanto dos duendes. Nem ao menos piscavam e quando perceberam que o outrora poderoso Senhor do Norte estava morto, festejaram ao que refestelavam-se sobre seu cadáver. Após séculos de cativeiro estavam livres para promover sua vingança. Toda a vila foi consumida por eles como se uma praga de gafanhotos destruísse uma pequena plantação. De posse da besta alada, retornaram a fábrica e, comunicando o corrido aos seus irmãos escravos, assassinaram a viúva de seu antigo senhor. O mundo viu com o espanto a nova tormenta que do Norte veio e varreu o planeta por inúmeras noites de sofrimento. Chacinas reduziram a já convalescente população mundial à um sétimo do que era antes. Os poucos sobreviventes esconderam-se no subsolo, rezando para que o dia de suas mortes logo chegasse. Pinheiros eram decorados com partes de corpos mutilados. Bonecos de neve humanos eram construídos. Eles dançavam e cantavam em línguas profanas e há muito esquecidas, enquanto o mundo ardia em chamas e os aquecia com gemidos de dor. Este foi o último presente do senhor do norte após o último natal da história. 126