LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
baforou de forma entediada. Já não havia mais graça naquilo tudo. Sua vida era
uma eterna rotina de brutalidade sem sentido que há muito já não o satisfazia.
Não haviam mais terras a serem conquistadas. Os limites do seu mundo já
haviam sido traçados com morte e violência. Ele não mais se saciava ante ao que
criara. A criança se aproximou com um olhar piedoso. Noel encarou seus olhos
mortais por alguns segundos antes de, num golpe seco, atravessar seu tórax com
uma das correntes. A garotinha sucumbiu aos seus pés. O sangue do ferimento
se espalhou pelo piso.
Ele observou com curiosidade a vida deixando seu pequeno corpo. Olhou
em volta e baforou mais um pouco. Não havia em sua mente mais nada que se
pudesse fazer em nome da matança desenfreada que promovia. Logo os duendes
se reuniram a fim de saciar sua fome eterna com aquela pequena porção. Papai
Noel apenas observou e nesse momento teve uma epifania. Os milhares de
escravos que lhe temiam eram praticamente incontroláveis. Apenas ele, pela
força bruta, lhes domava. Entretanto ele pensava que sem sua presença a fim de
domesticá-los e puni-los, eles consumiriam o mundo espalhando suas nefastas
presenças a fim de infligir maior dor à humanidade, vista por eles como a causa
de seus sofridos cativeiros.
As correntes tilintaram no piso. Atravessaram seu magro corpo e
retalharam sua carne frente ao espanto dos duendes. Nem ao menos piscavam e
quando perceberam que o outrora poderoso Senhor do Norte estava morto,
festejaram ao que refestelavam-se sobre seu cadáver. Após séculos de cativeiro
estavam livres para promover sua vingança. Toda a vila foi consumida por eles
como se uma praga de gafanhotos destruísse uma pequena plantação.
De posse da besta alada, retornaram a fábrica e, comunicando o corrido
aos seus irmãos escravos, assassinaram a viúva de seu antigo senhor. O mundo
viu com o espanto a nova tormenta que do Norte veio e varreu o planeta por
inúmeras noites de sofrimento. Chacinas reduziram a já convalescente população
mundial à um sétimo do que era antes. Os poucos sobreviventes esconderam-se
no subsolo, rezando para que o dia de suas mortes logo chegasse.
Pinheiros eram decorados com partes de corpos mutilados. Bonecos de neve
humanos eram construídos. Eles dançavam e cantavam em línguas profanas e há
muito esquecidas, enquanto o mundo ardia em chamas e os aquecia com
gemidos de dor. Este foi o último presente do senhor do norte após o último
natal da história.
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