Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 58

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 Do Abismo Sóciocultural Brasileiro Samuel Kauffmann Rio de Janeiro/RJ Reconhece-se, sem qualquer equívoco, a existência de uma invisível cerca social entre as culturas do Nordeste e a do Sudeste em terras do Brasil. Há cinco séculos, pelo menos, desde fins do séc. XV na península ibérica, ocorreu o primeiro cisma, quando os judeus sefaraditas, ali residentes por bem mais de mil anos, foram expulsos pelos reis católicos. Uma grande parte daquela população, residentes no reino espanhol, buscou guarida no reino português, por um intervalo de pouco mais de quatro anos, quando o rei Dom Manuel I forçou a conversão dos restantes ao cristianismo. Estes últimos ficaram conhecidos como “cristãos novos”, e ficaram sob a vigilância da inquisição estatal. Com o início da colonização portuguesa no continente sul-americano, à princípio pela região nordeste, as primeiras levas dos que para aqui vieram eram os “cristãos novos”. Estes buscavam um local onde pudessem praticar o criptojudaísmo. Com a dominação holandesa, no séc. XVII, para cá vieram descendentes daqueles cristãos novos que viviam na Holanda; lá praticavam com liberdade a religião israelita. E falavam o idioma português. Após a expulsão dos holandeses, daqui saíram a maior parte daqueles judeus holandeses. Os que ficaram mesclaram-se culturalmente com os antigos cristãos novos, que já aqui residiam por quase um século, provocando o ressurgimento do judaísmo, praticado às ocultas por medo da inquisição. E tão grande era esse temor que buscaram viver bem para o interior, em locais de difícil acesso, em regiões do grande sertão. E o tempo foi passando, século após século, criando uma etnia sui generis, uma cultura particular, sobrevivendo em terras com clima semiárido, dedicando- se a agropecuária. E, até os dias de hoje, com imenso sacrifício. Isolados da civilização, por tanto tempo, desenvolveram um linguajar diferenciado. Ficaram sendo conhecidos como sertanejos. Ali mesclaram-se a três principais etnias da humanidade: o branco europeu, o nativo americano, e o afro americano. E assim surgiu uma nova nação. Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, reconheceu-os, escrevendo: “o sertanejo é um forte”. Tal isolamento manteve-os com atraso secular, na educação e na tecnologia, acentuadamente desde fins do séc. XIX. A proclamação da república criou uma revolta generalizada, liderada por Antônio Conselheiro, sertanejo forte. Foi uma guerra civil não reconhecida historicamente. Outro movimento, foi 52