Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 43

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 Naturalmente nos conhecendo com o passar do tempo. Assim como eu pude observar isso, ele também me observou, mesmo com seu jeito calado. - Tá vindo do trabalho? – disse ele ao me ver. - Tô sim. Tudo em cima por aqui? – respondi. A partir de um ponto talvez a confiança tenha surgido e começamos a conversar. Era difícil entender algumas coisas que ele falava quando exagerava no destilado. Se mostrou um homem que tinha muito para dizer e perguntar. - Você é jornalista né? Mas é aqueles de televisão? – perguntava curioso. - Essa sua camisa é muito legal, parece aquelas de surfista né? Quando eu era menino novo eu tinha uma igual essa. Gostava dela – se referia à minha camisa. Quando o via na rua o olhar fechado, silencioso e baixo dava lugar à um cumprimento caloroso. Por algum motivo, não sei qual, Chibata estava diferente de. Certo dia, durante uma conversa sobre motos, uma revelação. - Sabia que eu tenho uma moto? - Tem nada. Você não consegue nem andar direito, quem dirá pilotar uma moto!! – retrucou o dono do bar, rindo. - Eu vou mostrar pra vocês!!! – respondeu, com um sorriso no rosto. Ao entrar em seu barraco tudo que se via era um amontoado de coisas. Quadros dos anos 80, xícaras de porcelana, sacolas pela mesa, uma pintura do Ayrton Senna na parede, e a moto, uma titan anos 90, estacionada no meio da pequena sala. Ainda funcionava, apesar de toda poeira acumulada e do tempo parada. Acelerou a moto com orgulho e o barulho tomou conta do ambiente inteiro. Porém o que mais me impressionou não foi uma pessoa na condição dele ter uma moto, pilotar, ou a bagunça que era seu lar, mas sim uma boneca de brinquedo que estava sentada de frente para a televisão ligada. - Eu achei ela na rua e trouxe pra cá. Achei bonita. Tava jogada no canto de uma lixeira acredita? Peguei e coloquei ai no sofá, isso já tem um tempo. É como se fosse uma companhia minha – respondeu quando perguntado o por quê daquela boneca infantil sentada ali. Ali entendi. Não conhecia de muita coisa sobre o velho Chibata. Sabia que não tinha mulher, morava sozinho, nunca falava sobre qualquer parente que seja, e se intimidava e fechava com pessoas desconhecidas. Desconfiava ser um homem sozinho. Só não imaginava o tamanho dessa solidão e seus efeitos. Um homem durante anos sozinho pode se esquecer como é conviver com outras pessoas. Se fecha, anda olhando para o chão, cala-se, desconfia, tenta se esconder, mesmo que tudo que quer é fazer ao contrário. E na ausência, acaba transformando até uma simples boneca velha, com roupas sujas e rosto com marcas de caneta, em uma companhia. Por vontade própria, desejo ou destino. 37