LiteraLivre Vl. 2- n º 11 – Set / Out. de 2018
Chibata e a Boneca de Brinquedo Francisco Junio Vieira da Silva Brasília / DF
O homem de cabelos brancos chegou no balcão do bar com um pequeno pote plástico de maionese. Enquanto esperava o dono do estabelecimento perceber a sua presença ali, trocamos um olhar por alguns instantes. O dele aparentava cansaço, o meu, curiosidade em saber o que significava aquele vidro na sua mão.
- Opa rapaz! Quantas doses será que cabem aqui? – perguntou enquanto abria a tampa.
- Eu acho que não cabem nem duas, mas você quer testar? – respondeu o dono do buteco.
Observava aquela cena encostado no balcão, tentando saber onde chegaria. Caberia ou transbordaria? Não lembro o que aconteceu, o que me recordo é que aquela noite foi a primeira vez que eu vi aquele senhor manco, de cabelos grisalhos e lisos, com roupas desleixadas e um boné que trazia o nome de uma loja de material de construção, apelidado de Chibata.
No começo ele ficou na retaguarda. Nas noites durante a semana, geralmente dias parados, passava no buteco depois do trabalho e por lá só estavam Chibata e o dono do estabelecimento conversando ou simplesmente olhando para a rua. Ainda assim trocava poucas palavras comigo.
Havia uma desconfiança no olhar sereno do senhor que gostava de tomar pinga com pele de porco. A voz era baixa e mansa, como a de uma criança tímida. A risada saia reprimida. O olhar nunca cruzava diretamente o do outro.
Morava em um sobrado de três cômodos ao lado do bar. Tinha o costume de sempre dar uma passada no bar quando vinha do trabalho. Era nítido a decepção em seu olhar, quando o avistávamos subindo a rua mancando com sua perna direita menor que a esquerda, e assim que percebia lá dentro alguém jogava sinuca ou conversava com alguém no balcão. Passava reto e ia para casa.
Por algum motivo, até então desconhecido, Chibata não gostava de se enturmar. Lembrava, fisicamente, até aqueles velhos budistas ou escritores, que buscam o isolamento.
Mas isso nada tinha a ver com ele. Era apenas um homem comum, desses que andam por ai sem nenhum glamour, grandiosidade ou estilo. Era só mais uma pessoa que ocupa um espaço no mundo por algum motivo.
O homem de personalidade fechada e introvertida se mostrou outra totalmente diferente depois de certo tempo. Sempre nos cruzávamos pelas cadeiras de plástico em noites quentes e frias, sem movimento, do meio de semana e batíamos um papo.
O velho costumava dar doces e salgados para crianças que faziam aulas de karatê ao lado do bar. Às vezes já deixava tudo pago com o dono do bar, caso seus amiguinhos, como os chamava, passassem e ele não estar por lá.
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