LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
Naturalmente nos conhecendo com o passar do tempo. Assim como eu pude
observar isso, ele também me observou, mesmo com seu jeito calado.
- Tá vindo do trabalho? – disse ele ao me ver.
- Tô sim. Tudo em cima por aqui? – respondi.
A partir de um ponto talvez a confiança tenha surgido e começamos a
conversar. Era difícil entender algumas coisas que ele falava quando exagerava
no destilado. Se mostrou um homem que tinha muito para dizer e perguntar.
- Você é jornalista né? Mas é aqueles de televisão? – perguntava curioso.
- Essa sua camisa é muito legal, parece aquelas de surfista né? Quando eu
era menino novo eu tinha uma igual essa. Gostava dela – se referia à minha
camisa.
Quando o via na rua o olhar fechado, silencioso e baixo dava lugar à um
cumprimento caloroso. Por algum motivo, não sei qual, Chibata estava diferente
de.
Certo dia, durante uma conversa sobre motos, uma revelação.
- Sabia que eu tenho uma moto?
- Tem nada. Você não consegue nem andar direito, quem dirá pilotar uma
moto!! – retrucou o dono do bar, rindo.
- Eu vou mostrar pra vocês!!! – respondeu, com um sorriso no rosto.
Ao entrar em seu barraco tudo que se via era um amontoado de coisas.
Quadros dos anos 80, xícaras de porcelana, sacolas pela mesa, uma pintura do
Ayrton Senna na parede, e a moto, uma titan anos 90, estacionada no meio da
pequena sala. Ainda funcionava, apesar de toda poeira acumulada e do tempo
parada. Acelerou a moto com orgulho e o barulho tomou conta do ambiente
inteiro.
Porém o que mais me impressionou não foi uma pessoa na condição dele
ter uma moto, pilotar, ou a bagunça que era seu lar, mas sim uma boneca de
brinquedo que estava sentada de frente para a televisão ligada.
- Eu achei ela na rua e trouxe pra cá. Achei bonita. Tava jogada no canto de
uma lixeira acredita? Peguei e coloquei ai no sofá, isso já tem um tempo. É como
se fosse uma companhia minha – respondeu quando perguntado o por quê
daquela boneca infantil sentada ali.
Ali entendi.
Não conhecia de muita coisa sobre o velho Chibata. Sabia que não tinha
mulher, morava sozinho, nunca falava sobre qualquer parente que seja, e se
intimidava e fechava com pessoas desconhecidas.
Desconfiava ser um homem sozinho. Só não imaginava o tamanho dessa
solidão e seus efeitos.
Um homem durante anos sozinho pode se esquecer como é conviver com
outras pessoas. Se fecha, anda olhando para o chão, cala-se, desconfia, tenta se
esconder, mesmo que tudo que quer é fazer ao contrário.
E na ausência, acaba transformando até uma simples boneca velha, com
roupas sujas e rosto com marcas de caneta, em uma companhia. Por vontade
própria, desejo ou destino.
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