LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
O Sádico
Luiz Go
Jundiaí/SP
Na capital, um manto cinza cobre a metrópole. As buzinas, os faróis e pedestres
dividem espaço num fluxo intermitente. Ao abrir a cortina de seu domicílio
gelado, Pedro alarga um sorriso mesmo ao saber que o dia está chuvoso e frio.
Decide preparar seu café da manhã com cereais e iogurte, antes de sair à rua
para comprar as boas notícias do dia. Pedro coloca sua chave do portão e sai à
calçada. Logo ao lado, um moribundo está sentado olhando para ele.
— Bom dia, quem é você?
— O senhor teria uma moeda?
— O que você está fazendo no chão, Moeda?
— É que eu não tenho outro lugar pra sentar.
— Você não precisa sentar. Levante! Deixei que o mundo te veja — Disse Pedro
ao mesmo tempo que puxava com força o homem chã.
— Para que o senhor quer que me levante?
— Justamente para você encarar o mundo de queixo erguido. Pode me chamar
de Pedro, estou aqui pra te aconselhar. Você precisa se erguer e sorrir.
O outro não entende e fica com cara de dúvida.
— A vida é curta demais pra ser pequena. Não pode perder tempo sentado.
— Mas eu não tenho outra coisa a fazer. Essa crise tá osso duro de roer — Disse
ele, se referindo a recessão em andamento.
— Arranje um tempo para artesanato ou pintura.
— Eu preciso comer antes de tudo, Pedro.
— Você precisa fazer apenas um pequeno investimento...
— Está maluco? Você acha que vou comprar guache ao invés de comida? Aposto
que você está de estômago cheio.
— E estou mesmo, é que se eu não comer passo mal. Anda, vai lá e compra um
pincel. Ainda há tempo de ser feliz — Urra Pedro empolgado, ao sair e deixar o
pobre para trás, estagnado, feito uma poça.
Mais adiante, enquanto passeava no parque, vê uma garota que lhe parece
cabisbaixa, sentada num dos bancos. “Ai meu deus, uma deprimida. Agora é a
hora” — Pensa Pedro virando e mexendo seus tendões, ao vê-la apunhando a
mão no queixo e sustentando os olhos fitados para baixo. O vento sopra a brisa
vinda do oceano diminuindo a sensação térmica. O otimista decide se aproximar
depois de tanto observá-la:
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