Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 96

LiteraLivre Vl. 2- n º 11 – Set / Out. de 2018
de trabalho, decidiu que pintaria durante toda a noite. E assim fez. Afinal, uma noite em claro não o prejudicaria em nada.
Quando começou a escurecer, pediu ao coveiro que, antes de sair, deixasse acesa a luz do poste ao lado da capela. Juntou ali as coroas ainda a serem pintadas, as tintas, os pincéis, a moringa com água, e continuou seu trabalho.
Estava uma noite tranquila. Apesar do calor insuportável do dia, a brisa da noite era fresca. Noite escura, sem lua. E Juvenal trabalhava sem parar...
Lá pelas cinco horas da manhã, contente por estar chegando ao fim da empreitada, começou a ficar incomodado. Estava com fome, e não havia nada para comer. Tinha trabalho para mais duas horas, mas estava com fome...
Sem parar com as mãos nos pincéis, pensava, insistentemente, numa maneira de arrumar alguma coisa para comer. De repente, ouviu o trotar de um cavalo bem distante. Longe, bem longe... Apurou os ouvidos, e percebeu que era a carroça do entregador de pães. Isso mesmo! A padaria do Seu Miguelão Português, única da vila, oferecia esse serviço. Os pães eram feitos na madrugada, e o empregado saía com a carroça para fazer as entregas nas casas dos fregueses mensalistas. E também vendia pães para quem os quisesse comprar.
Era uma carroça pintada de branco, feita de folha de flandres, ou de zinco, fechada, com portinhola na parte de trás. Nas laterais havia o desenho de um imenso bigode preto e uma boca com um discreto sorriso. Coisa do Seu Miguelão Português, que nem tinha bigode!
Em cada entrega, o empregado parava a carroça, descia, abria a portinhola traseira, acondicionava os pães em sacos de papel, e os colocava no embornal pendurado no portão, ou na porta, ou na parede da casa do freguês. Sempre havia um embornal esperando. E, muitas vezes, o próprio freguês estava de pé, aguardando na calçada. Serviço trabalhoso e demorado. Juvenal se animou. Afinal, quando a carroça passasse por ali, ele poderia comprar dois pães e aplacaria a fome. E continuou pintando enquanto esperava
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