LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
Cantos
Ernane Reis Gonçalves
Carmo do Cajuru,/MG
O azulão, cantando bonito, é atrapalhado pelo pardal, com sua voz irritante
de taquara rachada.
— Por que você insulta o meu ouvido, com este grito, mais grito do que
canto?
— É que eu só sei cantar assim, uai, disse cabisbaixo o pardal.
— Pois vai cantar pra lá, seu merda! Não atrapalhe a minha sinfonia!
Assim dizendo o azulão buscou no fundo da alma as mais doces notas do
seu canto espetacular. Sem se condoer da mágoa que causava ao pobre pardal.
Desconsolado, o pardal voou para longe. Uma andorinha da torre, que
ouviu a zombaria e percebeu a tristeza do pardal, proferiu:
— Volta lá, bobo e convida o azulão pra cantar para você, lá no campo de
futebol vazio, ou na escola repleta de crianças, ou na roça, ou no poste do
semáforo da esquina. Depois de convidá-lo você não se sentirá magoado. Até
pelo contrário.
Assim fez o pardal. Convidou o azulão de canto bonito para cantar para ele,
lá no campo de futebol vazio, lá na escola repleta de crianças, na roça, ou no
poste do semáforo da esquina
— Não posso, disse o azulão. Você não percebe que o meu dono não me
deixa sair?
— Dono!? O quê que é isso?
— O homem que me criou, que criou meus pais e também meus avós. Eu
não posso sair daqui e, mesmo que pudesse, nem sei como conseguir comida.
Morreria logo, de fome, ou nas garras de um gato qualquer.
— Ah! Você está preso?
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