Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 26

LiteraLivre Vl . 2 - n º 11 – Set / Out . de 2018
tudo isso aos berros , em um desespero de tal forma que um dos rapazes que escoltavam teve que empurrá-la para longe para que se desvencilhasse do marido e conseguissem seguir . Com o empurrão a mulher caiu no chão desajeitadamente e com tal expressão abobalhada que não se moveu mais até que o grupo já estivesse bastante longe .
Todo esse desenrolar demorou tempo o suficiente para que ao fim já despontasse a noite . A mulher levantou-se . Não chorava , parecia antes como se não soubesse o que havia acabado de ocorrer . A multidão foi se dispersando , o barulho dos sussurros foi diminuindo até que sobraram apenas umas poucas conhecidas que a ajudaram a ir para casa e lhe fizeram companhia por algum tempo .
Apesar da perturbação decorrente do estranho episódio que havia sido vivenciado , ao menos aquela noite parecia que ia ser finalmente de paz . No entanto , não eram nem duas da manhã quando o barulho de uma lixeira caindo no chão cortou o silêncio , junto com alguns abafados ruídos de reclamação . Algumas cabeças tímidas despontaram nas janelas , e logo seu Francisco praguejava mais alto , de forma embolada mas compreensível , a voz tomada de cólera :
– Espere que já lido com vocês ! Primeiro lido com a vadia , depois com vocês !
E entrou na casa num rompante , batendo a porta e fazendo-a rechaçar o batente com tal força que pareceu quase quebrá-lo .
Os gritos foram tão altos que não houve quem não ouvisse no Beco dos Tucunarés . Era a mulher alegando não ter feito nada , sua voz embargada de emoção , e seu Francisco a vociferar insultos e depois as agressões , mais fortes do que nunca a julgar pelo barulho que faziam , e ela a pedir que parasse e era tal a cólera que ele nem parecia ouvir mais os protestos dos vizinhos e mais barulho de coisas quebrando e sendo arrastadas e um barulho oco e tudo isso ecoando de tal forma que parecia que cada som era o precursor de um som ainda maior e mais violento . Chegou a um ponto em que parecia que nunca ia parar . Parou .
Alguns vizinhos já estavam a caminho da casa de seu Francisco neste momento em que o silêncio se fez presente no beco . No entanto , como se a falta de som anunciasse ainda maior urgência , começaram a mover-se mais rápido . Entraram pela porta deixada aberta e imediatamente após a porta de entrada via-se a sala com os móveis fora de lugar e alguns objetos quebrados , como um quadro que provavelmente enfeitara a parede e agora estava destruído pelo chão . Como ali não havia ninguém , os primeiros que chegaram correram para o quarto , modesto cômodo que estava com a porta entreaberta , à direita na sala . Entraram e pararam todos na porta : ali estava a mulher deitada na cama , um
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