LiteraLivre Vl . 2 - n º 11 – Set / Out . de 2018
na porta dele e se resolveriam os dois , que dava cabo da mulher e já ia resolverse com quem quisesse reclamar , além de uma série de impropérios dirigidos a todos . E assim ficavam , um xingando o outro até que os vizinhos , cansados com o dia de trabalho e apressados que estavam para emendar o sono e o despertar na manhã no dia seguinte , eventualmente se cansavam de pedir para que parassem e esperavam que a coisa toda acabasse . E na manhã seguinte todos se olhavam com certa cumplicidade , assombrados pela mesma situação .
Muitos tentavam relegar o que ocorria a uma questão conjugal na qual não cabe intrometer . Fora esses momentos , seu Francisco era um senhor relativamente respeitado na vizinhança . Já vivia no beco fazia anos , e havia ajudado na construção da casa de algumas pessoas ali , além de estar sempre presente nos cultos religiosos . Alguns conversaram com a mulher de seu Francisco , mas sempre que alguém tocava no assunto ela , apesar de admitir que isso a incomodava , dizia que seu marido não era má pessoa , que só ficava assim quando bebia e que , no final das contas , era ele que sustentava a casa em que moravam e onde se sentia à vontade para viver . E seu Francisco , cambaleante não só no andar mas também no espírito , entre o cândido senhor a aguentar a miséria da vida como pode e o cruel algoz de sua própria mulher , pouco se dava a ouvir os apelos dos demais , entre as doses da cachaça e a conversa errante com as pessoas no bar . Mas o fim de tarde , a volta para casa , a discussão , a briga , a contestação dos vizinhos , os xingamentos e ameaças , tudo estava se tornando recentemente mais frequente e , assim , exageradamente incômodo , o que tornava necessário que as pessoas tomassem alguma atitude pelo bem de todos .
Seria possível , observariam os leitores , chamar a polícia para lidar com essa situação . Acontece que no estado fluminense há locais onde os becos e vielas são quase autônomos , locais que se encontram muitas vezes em inclinações geográficas tomadas por habitações populares , estas somadas umas às outras e construídas para cima e para os lados e ocupadas por todo tipo de gente em todo tipo de forma . E o Beco dos Tucunarés era justamente um destes becos e vielas . Ao dizermos quase autônomos , no entanto , nos referimos à autonomia em relação ao Estado , pois há um poder presente no vácuo dos mapas oficiais , um poder com armas e julgamentos e valores próprios , que vem de fora e ao mesmo tempo é formado no seio do local . Este segundo poder não tem leis mas tem regras , sendo uma delas a convivência dentro de sua área de influência e , sendo o único poder disponível para intermediar a situação , eventualmente cairia sobre ele a responsabilidade da solução para a crescente impaciência dos moradores do pequeno beco .
Não se sabe quem fez o contato e os chamou , mas lá chegaram certo dia , no fim da tarde de um domingo . Os três rapazes deviam ter entre dezesseis e
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