LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
Além do Limite
Carlos Antunes
Rio de Janeiro/RJ
Se toda rua tem um bêbado para sentar na esquina à tardinha, os olhos
marejados de um vermelho incerto, o corpo ajeitado no banco do bar como se ali
pertencesse, um copo de vidro vazio, ainda escorrendo um pouco de cachaça que
sobrou do gole e desce pela parede do copo até encontrar-se com a base, o do
Beco dos Tucunarés era o seu Francisco. Voltava do trabalho que tinha como
peão de obra em um novo condomínio que construíam na Barra e antes mesmo
de chegar em casa sentava-se ali, e ali ficava, contemplando o nada como se a
ele pertencesse.
Conversava com os que ali passavam e com o atendente do bar, sempre
assuntos curtos e corriqueiros. Muitas vezes as crianças iam ali importuná-lo
quando já havia bebido algumas doses, como se fosse uma espécie de jogo, o
que ele respondia com gestos bruscos e alguns xingamentos embolados pela
boca já anestesiada, e o som assemelhava-se a um ruído mais do que palavras.
Com o tempo simplesmente cuspia palavras azedas a qualquer um que passasse
pela rua, julgando que estivesse caçoando dele. Houve uma vez em que quase se
estapeou com dona Armênia, uma moça corpulenta que ali vivia já há muitos
anos: a senhora voltava com sua filha das compras da feira no sábado e esta
comentou algo com a mãe, supostamente apontando para ele. Foi o suficiente
para seu Francisco levantar e, trôpego em seu curto caminhar até o arco que
delineava a entrada do bar, chama-las de putas, mãe e filha, o que fez com que
dona Armênia prontamente o chamasse para fora do bar, para que se
resolvessem ali mesmo no tapa. Como ele não saía do bar e as pessoas se
aproximavam, em parte para separar e em parte para observar, a mulher pegou
suas compras e foi-se embora proferindo em alto e bom som algumas opiniões
que tinha sobre o homem.
Ao fim de um tempo saía dali, pendurando a conta ou pagando com o
dinheiro que trazia surrado em seu bolso, e ia para casa já de noite, o beco se
acomodando para dormir, e não tardava para que a vizinhança começasse a ouvir
gritos, depois os barulhos de bofetadas, e já se sabia o que era: seu Francisco
estava brigando com a mulher de novo. E por mais que se tentasse ignorar, o
barulho era de tal forma que não havia jeito de dormir.
Quando os vizinhos gritavam de suas janelas para que fizessem silêncio,
que aquela não era hora de brigar e que tinha gente que acordava cedo no dia
seguinte, seu Francisco respondia que se estivesse incomodado que viesse bater
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