Revista Educar FCE EDUCAR FCE 6ED VOL1 - 23-06-207 | Page 147

É no relacionamento entre culturas diferentes, que alargamos nosso espaço interior.
Mesmo se leio sozinha no meu quarto, quando viro as páginas, quando levanto os olhos do livro, outros estão ali do meu lado: o autor, os personagens cujas vidas ele narra ou aqueles que ele criou, se se tratar de uma ficção( e talvez aqueles que o inspiraram), os outros leitores do livro, de ontem e de amanhã, os amigos que dele me falaram ou a quem imagino que eu possa recomendar. Mas também os que constituíram a minha vida ou que a compartilharam hoje, cujos rostos, brincadeiras, traições ou generosidade estão prontos para aparecer nas entrelinhas. Sozinha, sou muito povoada dentro de mim mesma.”( PETIT, 2009, p. 139)
Através da linguagem, organizamos um universo simbólico que nos abre para outros deslocamentos. O desejo de ler surge por meio desta intersubjetividade gratificante, essa transição entre corpo e psiquismo, entre passado e presente, inconsciente e consciente. O gosto pela leitura deriva muito de intersubjetividades, de um olhar que é depositado sobre pensamentos alheios, permitindo o reconhecimento do outro. A partir destes ajustes, dessas associações suscitadas, destes diálogos psíquicos, a criança pode estabelecer uma relação afetiva com os livros. Quando um adulto apropria-se dos livros, ele reencontra o eco remoto de uma voz que lhe ajudou a enfrentar sua infância. Sendo muitas vezes uma arte que se transmite no seio da família, podemos dizer que o seu gosto e sua prática são socialmente construídos.
A leitura convida ao processo de simbolização, a uma forma de se narrar a própria história entre as linhas que se lê, costurando o que se vive de forma fragmentada. Conforme a pesquisadora Michèle Petit, há uma maioria de leitores que rejeita a leitura de obras que não permitem um distanciamento da realidade, um exílio. Os textos que fazem referência explícita a situação real do leitor, não são os mais escolhidos por este. Há uma busca por leituras metafóricas. As histórias que refletem a imagem de pessoas semelhantes ao leitor podem não levá-lo a a sair de sua mesmice, e com isso ele não se sente situado.
Muitas vezes, este desvio de lugar ou tempo é o que abre possibilidade de simbolização. Esta não nasce com a linguagem, mas pode nascer com metáforas. Uma história pode muito rapidamente se tornar parte de si e evocar a própria história do leitor, enquanto cria uma distância protetora. Um espelho pode permitir o reflexo, mas não nos leva a representação. Já a metáfora, proporcionada pela leitura, pode transformar os traumas em representações criativas. Ela pode dar sentido a uma tragédia, transformar experiências dolorosas e
ABRIL | 2017
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