Revista de Medicina Desportiva Nov. 2021 | Page 14

do tecido cerebral ou dos vasos , ocasionando extensas hemorragias . 6 Identificam-se como lesões cerebrais agudas as concussões cerebrais , as hemorragias intracranianas ( epidural , subdural , intraparenquimal e subaracnoideia ) e a síndrome do segundo-impacto . 6 As concussões cerebrais são a lesão da cabeça mais comum no desporto , incluindo no boxe . 33 São lesões agudas caracterizadas por um processo fisiopatológico complexo que afeta o cérebro e é induzida por forças mecânicas , aplicadas no local direto do impacto na cabeça , no local oposto ao impacto ou noutra região corporal , caracterizando sintomas de perturbação neurológica funcional transitórias , sem alterações estruturais observáveis na neuroimagiologia . 6 A síndrome do segundo impacto foi pela primeira vez descrito por Schneider 34 , em 1973 , tendo sido reconhecida como entidade clínica apenas em 1984 . Um impacto suave com concussão ligeira poderá causar esta síndrome , que frequentemente culmina em morte ( 50 %) ou em incapacidade funcional severa ( 100 %). 36 A síndrome ocorre quando um atleta sofre lesões cerebrais recorrentes sem que os sintomas associados a uma lesão cerebral anterior tenham sido resolvidos . 36 O segundo impacto em qualquer região do corpo transmitirá forças ao tecido cerebral e está na origem de lesões indiretas . Em poucos minutos poderá ocorrer perda de consciência e início de estado comatoso ou semicomatoso , com perturbação neurológica e hemodinâmica grave , resultando frequentemente em sequelas irreversíveis ou morte . 6 No que respeita a lesões cerebrais crónicas , as mais comuns são a síndrome pós-concussão e a encefalopatia traumática crónica . 6
Estratégias preventivas para as lesões na cabeça
No intuito de reduzir a frequência de lesões na cabeça preconiza-se , 37 , 38
genericamente :
• todos os atletas devem ser obrigados a exame físico prévio à participação no desporto
• todas as equipas devem usufruir de equipa técnica qualificada , acessibilidade a procedimentos de emergência e infraestruturas e equipamentos adequados ;
• é aconselhável a presença , sempre que possível , de um médico nos treinos e nas provas
• os treinadores devem , não só dominar a questão técnica da modalidade , mas possuir também conhecimento aprofundado da preparação física dos seus atletas e do risco e prevenção de lesões
• as competições devem seguir estritamente as regras previamente regulamentadas para a modalidade
• o fair-play e o respeito deverão ser elementos-chave entre praticantes e treinadores , desencorajando a violência . No boxe profissional algumas medidas já foram implementadas , tais como a permissão da equipa médica terminar o combate . 6 Outras medidas deverão ser consideradas , nomeadamente a interrupção da prática desportiva , em treinos e provas por um período de : 39 1 . 30 dias se o combate tiver sido terminado por golpes excessivos na cabeça ou excessivas contagens de proteção 6
2 . 45-60 dias se o combate tiver sido terminado por knockout técnico 6
3 . 90 dias se o combate tiver sido terminado por knockout , se o pugilista permanece inconsciente até dois minutos ou se o atleta tiver sido submetido a múltiplas interrupções de 30-45 dias num ano 6
4 . 180 dias se pugilista permaneceu inconsciente por mais de dois minutos . 6 Deverá igualmente ser implementada avaliação física e de neuroimagem para todos os pugilistas que permaneçam inconscientes por tempo superior a um minuto ou que tenham sido sujeitos a knockout ou knockout técnico . 39
Relativamente ao equipamento protetivo , este deverá ser sempre regulamentado . 6 Apesar de não existir evidência de que o protetor bucal previne lesões na cabeça , a sua utilização está associada à redução de frequência de lesões dentárias e orofaciais . 6 Relativamente ao capacete , tem sido evidenciada a sua capacidade na redução das forças de impacto , conferindo maior proteção aos atletas , não existindo , contudo , evidência atual que comprove especificamente a sua capacidade na redução da incidência das concussões cerebrais . 6
Conclusão
Apesar do boxe ser um desporto olímpico , a sua abolição continua a ser assunto de debate devido à gravidade de possíveis sequelas neurológicas , sendo a morte a consequência mais devastadora entre praticantes . O conhecimento do tipo de lesão no boxe , fundamentalmente na cabeça , e das suas estratégias de minimização de risco , deverão ser domínio de atletas , treinadores e equipa médica , no intuito de proteger , dentro do possível , os praticantes da modalidade .
Os autores declaram ausência de conflitos , assim como a originalidade do manuscrito e a sua não publicação prévia .
Correspondência Dr . Diogo Lino Moura Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra dflmoura @ gmail . com
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12 novembro 2021 www . revdesportiva . pt