Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2018 | Page 32

observado por quadro de coxalgia esquerda de instalação insidiosa com cerca de três meses de evolução , referindo queixas semelhantes um ano antes .
Ao exame clínico apresentava marcha claudicante , rotação externa preferencial da anca à flexão passiva , diminuição da rotação interna e teste de impingement positivo . Foi inicialmente estudado com radiografia , que revelou o não encerramento das fises femorais proximais e SCFE à esquerda , com um ângulo de Southwick ligeiro – 26 ° ( Figuras 1 e 2 ). Posteriormente , a ressonância magnética mostrou um CFA por deformidade tipo cam com ângulo α de 85 °, sem aparentes lesões condrolabrais associadas ( Figuras 3 e 4 ).
No mesmo tempo operatório foi submetido a fixação in situ por via percutânea com parafuso canulado e a artroscopia da anca que evidenciou a deformidade ântero-lateral do colo femoral , discreta sinovite e confirmou a ausência de lesões condrolabrais . Foi realizada osteoplastia do colo femoral .
Iniciou reabilitação física precoce e manteve carga parcial do membro durante duas semanas , altura em que progrediu para a carga total .
Resultados
Às seis semanas negava queixas álgicas , tinha marcha normal e mobilidade articular completa , com a rotação interna sobreponível ao lado contralateral e exame físico negativo para impingement , altura em que foi possível retomar progressivamente a atividade desportiva sem limitações . Atualmente , dois anos após o tratamento cirúrgico ,
mantém-se assintomático e sem sinais clínicos de conflito femoroacetabular . A imagiologia não mostra qualquer lesão ( Figuras 5 e 6 ). Mantem-se a competir a um nível elevado .
Discussão
A SCFE é uma patologia devastadora na população pediátrica , afectando 11 em cada 100.000 crianças . Pode levar à deformidade persistente do colo femoral , condrólise e necrose avascular da cabeça femoral . 8
A fixação in situ , por definição , fixa o colo femoral numa posição de deformidade . Embora a proeminência ântero-medial do colo originada pelo deslizamento da fise femoral proximal possa ter alguma capacidade de remodelação , tal não é esperado que aconteça após o encerramento fisário provocado pela fixação . 1 A fixação isolada in situ parece ter resultados razoáveis no tratamento da SCFE , embora a maioria dos doentes estudados não tenha elevada demanda física .
Observações intraoperatórias para tratamento da deformidade após SCFE confirmam a incidência elevada de lesões do labrum e da cartilagem acetabulares . 8 , 9 Numa série de 176 ancas submetidas a fixação in situ , 33 % apresentavam dor e 12 % necessitaram de revisão cirúrgica após follow-up médio de 16 anos . 9 Ao fim de 30-40 anos , a incidência de osteoartrose da anca em graus ligeiros de SCFE é de 15-25 %. 10 A severidade das lesões parece aumentar com a duração dos sintomas e ângulos de deslizamento maiores . 9 A ausência de dor não exclui a presença de dano articular . 8 Está demonstrado que todos os graus de SCFE levam a alguma perda funcional , havendo dano articular significativo precoce mesmo após uma SCFE ligeira 8 , 9 , 11 , podendo ser justificado com a capacidade limitada de remodelagem da deformidade . 3
Há evidência de que o CFA resultante da SCFE diminui a performance desportiva em atletas 6 e que o nível de atividade parece influenciar a gravidade do dano articular . 9 Perante um jovem praticante de um desporto competitivo e exigente , com movimentos de flexão e abdução de grande amplitude na articulação coxofemoral , seria previsível a evolução com lesão labral e cartilagínea progressivas e irreversíveis .
Estando a deformidade pós-deslizamento associada a maus resultados a longo prazo , o tratamento cirúrgico está recomendado em doentes sintomáticos com ângulos α > 60 °. 6 Assim , neste atleta com queixas compatíveis com CFA em contexto de SCFE crónica agudizada , optou-se por realizar a osteoplastia do colo femoral e a fixação in situ simultâneas , técnica já descrita e com bons resultados clínicos e imagiológicos a curto prazo . 11-13 A osteoplastia por via artroscópica é uma técnica com pouca morbilidade e viável para o tratamento de deformidade após SCFE . 8
As lesões labrais ou cartilagíneas diminuem a probabilidade do sucesso no tratamento do CFA . 6 Não tendo sido encontradas lesões articulares , acreditamos que a correção precoce da deformidade foi o melhor método para tratamento desta condição , melhorando a dor e mobilidade , evitando sequelas e lesões secundárias futuras . Possibilitou ainda a manutenção atividade desportiva em um nível competitivo elevado .
Conclusão
Figura 2 – RX de perfil da anca esquerda : metáfise anterior proeminente
Figura 3 – Corte coronal em RMN das ancas : desvio póstero- -medial da cabeça femoral esquerda
A SCFE , mesmo em graus ligeiro a moderado , sintomática ou não , origina osteoartrose da anca e pode levar à necessidade precoce de
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