Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2018 | Page 24

Responde quem sabe

Rev . Medicina Desportiva informa , 2018 ; 9 ( 5 ): 22 – 24 . https :// doi . org / 10.23911 / Miocardiopatia _ Hipertrofica
Dr . Hélder Dores Cardiologista . Hospital das Forças Armadas e Hospital da Luz Lisboa
A Miocardiopatia Hipertrófica ( MCH ) é uma das causas mais frequentes de morte súbita em atletas . O ECG ajuda no seu diagnóstico ?
Sim ! Apesar do diagnóstico de MCH ser imagiológico - espessura parietal superior a 15mm na ausência de outras condições de sobrecarga , o ECG é muito importante na avaliação dos doentes com MCH . Esta miocardiopatia caracteriza-se classicamente por uma cascata progressiva de alterações , na qual as alterações elétricas identificadas no ECG são mais precoces que as alterações fenotípicas estruturais . Neste contexto , a inclusão do ECG no exame médico-desportivo permite diagnosticar precocemente muitos casos de MCH , descrita como a principal causa de morte súbita em atletas jovens .
Apesar da grande maioria dos doentes com MCH terem alterações eletrocardiográficas , estas são pouco específicas , sendo as mais frequentes as alterações da repolarização ventricular , nomeadamente ondas ‘ T ’ invertidas . Como as ondas ‘ T ’ invertidas também são frequentes no ECG do atleta sem patologia , a distinção entre adaptações fisiológicas e alterações patológicas é fundamental , sendo por vezes muito difícil . A inversão de ondas ’ T ’ em duas derivações contíguas , nomeadamente nas derivações laterais e inferiores ( exceto III ), deve levantar a suspeita de miocardiopatia e merecer avaliação complementar . Por outro lado , a inversão nas derivações ântero-septais é difícil de valorizar , sendo crucial conhecer as características demográficas do atleta . Por exemplo , a inversão de ondas ‘ T ’

Miocardiopatia Hipertrófica

em V1-V4 precedida de elevação do ponto ‘ J ’/ segmento ‘ ST ’ em atletas de raça negra é considerada fisiológica , tal como a inversão até V3 em atletas com idade inferior a 16 anos , nos quais pode corresponder ao padrão juvenil .
A presença de alterações patológicas no ECG do atleta deve motivar a realização subsequente de exames complementares de diagnóstico . Contudo , apesar da ausência de alterações patológicas nestes exames em atletas assintomáticos e com exame objetivo normal não contraindicar a prática de desporto competitivo , justifica-se o seu acompanhamento regular . Está demonstrado em vários estudos que uma percentagem significativa destes indivíduos pode desenvolver o fenótipo de MCH a longo-prazo .
O ECG é , assim , essencial na avaliação de atletas e de doentes com MCH , sublinhando-se a necessidade de aplicar critérios específicos para a sua interpretação no atleta , visando reduzir o impacto da sua principal limitação , a elevada taxa de falsos positivos decorrente de adaptações fisiológicas induzidas pelo exercício físico .
a ) Alteração fisiológica : Homem , negro , 27 anos , atletismo , ± 12h / treino / semana
b ) Atleta com MCH : Homem , caucasiano , 22 anos , futebol , ± 8h / treino / semana
... mas o ecocardiograma é fundamental , não é ?
O ecocardiograma é fundamental na avaliação da MCH . Globalmente , constitui o exame de imagem de primeira linha para a avaliação cardíaca morfológica e funcional do atleta , sobretudo pela sua elevada acessibilidade , capacidade diagnóstica e baixo custo . De facto , na maioria dos casos de MCH , é o ecocardiograma transtorácico que estabelece o diagnóstico da doença .
Além da deteção da hipertrofia parietal , este exame pode fornecer outras informações muito importantes para o diagnóstico de MCH , tais como : hipertrofia ventricular esquerda assimétrica , disfunção diastólica , aneurismas apicais , obstrução da câmara de saída ventricular esquerda , anomalias no aparelho valvular mitral e na inserção dos músculos papilares . No entanto , a interpretação destas alterações é muitas vezes limitada pelo overlap entre hipertrofia patológica e hipertrofia fisiológica induzida pelo exercício físico . Muitos atletas apresentam características localizadas na chamada ‘ zona cinzenta ’,
Figura 1 – ECG não patológico de atleta de raça negra ( a ) e ECG de atleta com o diagnóstico confirmado de MCH ( b ).
22 setembro 2018 www . revdesportiva . pt