Estão descritos duas dezenas de casos de indivíduos com diagnóstico de MC1 , vítimas de TCE ou trauma cervical , durante a prática desportiva ou em situações semelhantes . Em 1995 James DS descreveu o caso de um rapaz de 25 anos , praticante de desportos de combate . Após um golpe morreu subitamente por paragem cardiorrespiratória . A autópsia revelou MC1 associada a siringomielia de C1 a C7 . 8 Em 1998 e 2013 , foram descritos dois casos de morte súbita em atletas , na 3 ª década de vida , vítimas de TCE minor , sem lesões hemorrágicas endocranianas graves . As autópsias revelaram MC1 sem sinais de siringomielia com herniação das amígdalas cerebelosas até à sétima vértebra cervical ( cerca de 110mm ) em relação ao forâmen magnum . 9 , 10 Em 2014 , Wang H descreve o caso de um atleta de 23 anos , vítima de TCE após queda da própria altura . Inicia quadro súbito de cefaleias occipitais , ataxia , disfagia e tetraparésia . Os exames neurorradiológicos realizados revelaram MC1 sem siringomielia , sinais de obstrução do 4 .º ventrículo e herniação tonsilar de 18mm . Foi realizada craniectomia da fossa posterior associada a remoção do arco posterior de C1 em contexto de urgência , com resolução completa do quadro neurológico em trinta dias . 11
Strahle e Meehan realizaram estudos retrospetivos em 650 atletas jovens com diagnóstico de MC1 não submetidos a cirurgia . Não foi registado qualquer caso de morte súbita ou lesão neurológica focal . Foram identificados 66 casos de concussão cerebral . 12 , 13 Segundo o estudo de Clay relativo à epidemiologia da concussão cerebral na prática desportiva , este número corresponde ao dobro dos casos normalmente referenciados . 14
O exame médico-desportivo utilizado em Portugal não valoriza de forma pormenorizada a existência de sinais e sintomas no âmbito neurológico . Na avaliação médica dos atletas praticantes de DC importa valorizar a existência de cefaleias , dor cervical e alterações diversas da sensibilidade , tanto no tronco , como nos membros .
O risco de lesão neurológica grave no atleta com MC1 durante a prática de DC é baixa . No entanto , é mais alto do que na população em geral . 12
Os atletas assintomáticos , cuja MC1 foi diagnosticada incidentalmente , devem ser avaliados caso-a-caso . A obliteração do espaço subaracnoídeo , a presença de siringomielia , a indentação da porção anterior da medula e a presença de sintomatologia relacionada com alterações da dinâmica de fluxo de LCR são características que podem predispor o atleta a défices neurológicos graves , sendo geralmente critérios de forte restrição . Não existem dados suficientes na literatura para indicar qual o grau de herniação amigdalina que contraindique a prática de DC . A presença de duas ou mais concussões cerebrais deve ser impeditivo da prática de DC . 15 Os atletas assintomáticos com MC1 e sem as características imagiológicas acima descritas não são geralmente impedidos de praticar DC . No entanto , tanto a família , como o próprio devem estar cientes do risco e das lesões a que
12 , 13 podem estar sujeitos . A craniectomia descompressiva da fossa posterior e remoção do arco posterior de C1 não é geralmente preconizada em atletas assintomáticos praticantes de desportos de contacto como profilaxia a lesões neurológicas . A intervenção cirúrgica é geralmente reservada a atletas sintomáticos , sendo controversa em doentes assintomáticos , com sinais 15 , 16 de siringomielia .
Conclusão
O diagnóstico da MC1 é fator importante de proteção da saúde do atleta particularmente nos DC . O exame médico-desportivo deverá identificar sintomas e sinais que poderão levantar a suspeição clínica e promover a realização de exames imagiológicos apropriados . A adequação da prática desportiva e o aconselhamento dos atletas e das famílias devem ser considerados . O regresso à atividade desportiva em atletas com lesão neurológica ou atletas submetidos a intervenção cirurgia deve ser bem mais restrito , sendo geralmente considerado contraindicação absoluta à prática de DC .
Em atletas com maior risco de contrair lesão neurológica , importa adaptar a atividade desportiva recorrendo a modalidades alternativas . Deve ser realizado um seguimento clínico mais sistematizado em departamento de neurocirurgia .
Os autores declaram ausência de conflitos de interesse
Correspondência João P Pinheiro jpáscoapinheiro @ gmail . com
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Revista de Medicina Desportiva informa setembro 2018 · 21