Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2020 | Page 14

Caso clínico Rev. Medicina Desportiva informa, 2020; 11(3):12-14. https://doi.org/10.23911/CC_avulsa_apofise_2020_05 Fratura-Avulsão da Apófise da Crista Ilíaca numa Atleta Adolescente Dr. João Boavida 1 , Dr. João Cabral 2 , Dr. Marcos Carvalho 2,3 1 Interno de Formação Especializada em Ortopedia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; 2 Assistente Hospitalar do Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico de Coimbra; 3 Mestre em Medicina do Desporto pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. RESUMO / ABSTRACT A fratura-avulsão isolada da apófise da crista ilíaca é uma lesão rara, com maior incidência em atletas esqueleticamente imaturos. Apresenta-se um caso de fratura-avulsão isolada da apófise da crista ilíaca numa jovem atleta, que ocorreu durante uma prova de atletismo, alertando-se para a importância da suspeição clínica associada ao mecanismo causal, investigação diagnóstica e terapêutica adequadas, permitindo uma recuperação e retorno precoce e ao mesmo nível de prática desportiva. Isolated avulsion fracture of the iliac crest apophysis is a rare injury with a higher incidence in skeletally immature athletes. We report a case of an isolated avulsion fracture of the iliac crest apophysis in a young female athlete during an athletics competition. We highlight the importance of the clinical suspicion, mechanism of injury, appropriate evaluation and treatment in order to achieve a faster recovery and return to the same level of sports practice. PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS Fratura-avulsão, apófise crista ilíaca, atleta adolescente Avulsion fracture, iliac crest apophysis, adolescent athlete Introdução A cintura pélvica é composta por dois ossos ilíacos que estão unidos anteriormente através da sínfise púbica e posteriormente ao sacro. Estes, em conjunto com o cóccix, formam um anel cuja função é a de proteção dos órgãos da cavidade pélvica e a de suporte do esqueleto axial e membros inferiores, através da inserção de estruturas ligamentares e musculotendinosas determinantes para a manutenção da postura e adequada locomoção. 1 Em virtude da prática desportiva cada vez maior e mais intensa em crianças e adolescentes, a incidência de lesões por avulsão apofisária da anca e bacia tem aumentado ao longo dos últimos anos, sendo que atualmente as avulsões apofisárias correspondem entre 10-24% das lesões desportivas na população pediátrica. Os desportos mais comummente implicados são futebol, ténis, esgrima, corrida de pista ou corta-mato, mas também o ballet. 2-4 A maioria das avulsões apofisárias da região pélvica (Figura 1) ocorrem ao nível da espinha ilíaca ântero-superior, espinha ilíaca ântero-inferior, tuberosidade isquiática, sínfise púbica e pequeno trocânter. 3-5 Contudo, a fratura-avulsão da crista ilíaca é extremamente rara, representando apenas 2% de todas as fraturas pélvicas, ocorrendo habitualmente em indivíduos do sexo masculino (15:1) e com idades que variam entre os 11 e 25 anos. 6,7 A idade e a sua associação com o mecanismo de lesão são os fatores determinantes para a determinação da localização da rotura na cadeia osso-tendão-músculo. Enquanto no adulto jovem a lesão ocorre geralmente ao nível da junção miotendinosa e no adulto mais velho ao longo do tendão, na criança e no adolescente esqueleticamente imaturo é na fise que se verifica a maior fragilidade, cedendo sob tensão prolongada ou contração excêntrica súbita, sobretudo em fases de rápido crescimento. 2,4,8 Na população pediátrica, esqueleticamente imatura, estas lesões ocorrem frequentemente sem traumatismo direto e apresentam-se tipicamente com dor intensa e bem localizada. Mais raramente podem surgir na sequência de traumatismos diretos ou, ainda, ser consequência de microtraumatismos crónicos repetidos. 1 Os locais mais comuns de fraturas-avulsão apofisárias da região pélvica são (Figura 1): a) crista ilíaca (inserção dos músculos abdominais, tensor da fáscia lata e glúteo médio); b) espinha ilíaca ântero-superior (origem do músculo sartório e parte do tensor da fáscia lata); c) espinha ilíaca ântero-inferior (origem da porção direta do reto femoral); d) canto superior da sínfise púbica (inserção do reto abdominal); e) tuberosidade isquiática (origem dos isquiotibiais: semitendinoso, semimembranoso e longa porção do bicípite femoral); f) pequeno trocânter (inserção do iliopsoas). Caso clínico Doente do sexo feminino, 13 anos de idade, recorreu ao serviço de urgência por dor e limitação funcional do membro inferior direito após mecanismo de aceleração (sprint) durante prova de atletismo. A doente referia o início de uma dor súbita ao nível da face ântero-externa da hemipélvis direita com impotência funcional do membro, condicionando a cessação imediata da atividade desportiva. Como antecedente relevante referia queixas álgicas esporádicas localizadas à região anterior da crista ilíaca direita após esforço e/ou associadas a uma carga semanal média de treino e/ou provas de quatro vezes por semana. Ao exame objetivo apresentava marcha autónoma claudicante, Figura 1 – Esquema dos locais mais comuns de fraturas-avulsão apofisárias da região pélvica 12 maio 2020 www.revdesportiva.pt