Revista de Medicina Desportiva Informa Janeiro 2012 | Page 25
Reflexão
Rev. Medicina Desportiva informa, 2012, 3 (1), p. 23
Teoria crítica e desporto
Prof. Doutor Manuel Sérgio
Dois termos fundamentais ressaltam da Teoria Crítica (Escola
de Francoforte): o esclarecimento e a emancipação. Há
quem acuse os filósofos desta
Escola de um pronunciado
hegelianismo, hipervalorizando
a ideia como elemento atuante
na História e, assim, de retorno
ao idealismo. O que se passava,
porém, é que alguns filósofos, como
Adorno, Horkheimer, Benjamim,
Marcuse, Erich Fromm e o próprio
Habermas, viam na emancipação
da razão a emancipação da própria
sociedade. Não viam na Filosofia
tão-só um processo de compreensão, mas também um processo de
atuação. Eram todos “iluministas”,
ao seu modo mas, paradoxalmente,
destacaram-se por uma crítica
frontal a toda a herança cultural do
projeto iluminista da modernidade,
fundamentado na razão e na ciência
e que, segundo eles, se transformou
em força de opressão e de alienação.
Theodor Adorno, no livro Educação
e Emancipação (Paz e Terra, S.Paulo,
l995) escreve, depois de sublinhar
que a função do desporto ainda
não foi devidamente analisada por
uma psicologia social e crítica: ”O
desporto é ambíguo. Por um lado
ele pode ter um efeito contrário à
barbárie e ao racismo, por intermédio do fair-play, do cavalheirismo, do
respeito pelo mais fraco. Por outro,
em algumas das suas modalidades
e procedimentos, ele pode estimular
a agressão, a brutalidade, o retrocesso, principalmente no caso dos
espetadores e até dirigentes, que não
conhecem as grandes conquistas do
processo histórico”(pp. l26).
Para este filósofo, a ausência
de teoria e de reflexão é uma das
caraterísticas mais visíveis do nosso
tempo e, por isso, do desporto. Para
ele, “a formação cultural e desportiva converte-se agora numa semi-formação socializada, na omnipresença do espírito alienado”(p. 389).
Esta pseudo-formação decorre de um
tempo que parece alfabetizar, mas...
para que prevaleça o status quo!
Um neo-liberalismo explorador, um
sexualismo sem freios, uma violência
omnipresente – parecem ser, hoje,
coisas absolutamente normais. Ora,
alfabetizar é consciencializar. No próprio Direito do Desporto, esta modalidade (o futebol) deve entender-se,
antes do mais, como cultura, como
crítica radical ao que de incoerente e
retrógrado apresenta a organização
desportiva. As aulas, nos cursos universitários de desporto e nos cursos
de treinadores, não podem resultar
em mera “educação bancária”(Paulo
Freire), mas em trabalho onde há
prática e teoria socialmente transformadoras; não podem ser apenas um
processo biológico, mas também processo libertador. O desporto, a dança,
a ergonomia, a reabilitação hão-de
ser uma provocação, visando o esclarecimento do Mundo que nos rodeia.
Há-de ser, sobre o mais, consciencialização, decisão e compromisso. O
futebol, ao alfabetizar corporalmente,
deve também transformar-se em crítica do mundo envolvente e recriação
crítica do mundo a construir.
Pelo futebol (um exemplo, entre
outros) o praticante, o técnico, o
dirigente e o próprio espetador
deverão sentir que se humanizam,
num processo histórico de produção
do homem pelo homem. A própria
arquitetura jurídica do desporto
deverá exprimir-se na combatividade do inconformado, diante da
exploração, da opressão, da cobardia,
da inércia, do absentismo. Relembro aqui o que encontrei em Jurgen
Habermas, no seu livro Pensamento
Pós-Metafísico: ”a racionalidade não
tem tanto a ver com a posse do
saber, mas com o modo como os
sujeitos, capazes de falar e de agir,
empregam esse mesmo saber”(p. 69).
De que vale saber Anátomo-fisiologia, Bioquímica, Psicologia, Sociologia, Direito, etc., etc., se a teoria não
é esclarecimento e emancipação? Se
o desporto não é educação problematizadora e transformadora? Não
há desporto verdadeiro que não deva
transformar-se em práxis, ou seja,
teoria e prática, em ação empenhada! Embora o desporto, o mais