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Economia
civil
Terceiro Setor é realmente terceiro, mantendo-se, porém — como veremos
em seguida —, na dependência direta do Estado.
Quando o princípio de redistribuição é deixado de lado ou consideravelmente limitado, surge o modelo do capitalismo filantrópico, hoje muito
em voga na América do Norte. O mercado é a alavanca do sistema e deve ter
liberdade para agir sem obstáculos; dessa forma, produz o máximo possível
de riqueza. E os “ricos” fazem filantropia com os pobres, servindo-se da sociedade civil e de suas organizações (as várias charities e foundations). No modelo
do compassionate conservatorism, a atenção para com quem fica atrás na corrida
do mercado está ligada ao sentimento moral da compaixão. Logo, as organizações da sociedade civil só podem ser sem fins lucrativos (não foi por acaso
que essa expressão nasceu nos eua); trata-se de sujeitos que agem para aliviar
os efeitos negativos da interação social, e não para influir nas suas causas. Em
contexto semelhante, o dom perde sua natureza profunda de reciprocidade e
se transforma em filantropia, em donativo.
Por fim, a eliminação ou o desprezo do princípio da troca de equivalentes produz os coletivismos e os comunitarismos do passado e do presente,
em que há uma tentativa constante de eliminar a lógica do contrato, mas a custo de ineficiências devastadoras e de misérias intoleráveis.
O desafio da economia civil é encontrar os modos — que certamente
existem — de permitir a coexistência desses três princípios reguladores dentro
do mesmo sistema social. Certamente precisamos de eficiência, mas também
de equidade e — ousaríamos dizer, sobretudo — de reciprocidade.
Empregamos a palavra coexistência intencionalmente. De fato, não consideramos proveitoso um projeto que idealize a divisão da sociedade em três esferas separadas, por mais contíguas que sejam, cada uma apta a acolher a realização
de apenas um dos três princípios: mercado, Estado e sociedade civil. Semelhante
lógica de separação conduziria a resultados realmente paradoxais.
Consideremos, por exemplo, o que aconteceria se o mercado fosse
pensado como lugar econômico em que os indivíduos são motivados à ação
apenas pelo próprio interesse e no qual não pode haver espaço para comportamentos diferentes, inspirados em outros valores. Dito de outra forma: se, para
funcionar, a instituição mercado tivesse necessariamente de adotar exclusivamente a norma hobbesiana, deveríamos esperar duas consequências. Primeiro,
a eficiência passaria a ser o único juízo de valor que o mercado seria capaz de
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