Português para estrangeiros Português para estrangeiros | Page 216
O DILÚVIO: Lenda Indígena
José de Alencar
Foi longe, bem longe dos tempos de agora. As águas caíram, e começaram a cobrir toda a
terra. Os homens subiram ao alto dos montes; um só ficou na várzea com sua esposa.
Era Tamandaré; forte entre os fortes; sabia mais que todos. O Senhor falava-lhe de noite; e de
dia ele ensinava aos filhos da tribo o que aprendia do céu.
Quando todos subiram aos montes ele disse:
‗Ficai comigo; fazei como eu, e deixai que venha a água.‖
Os outros não o escutaram; e foram para o alto; e deixaram ele só na várzea com sua
companheira, que não o abandonou.
Tamandaré tomou sua mulher nos braços e subiu com ela ao olho da palmeira; ai esperou que
a água viesse e passasse; a palmeira dava frutos que o alimentavam.
A água veio, subiu e cresceu; o sol mergulhou e surgiu uma, duas e três vezes. A terra
desapareceu; a árvore desapareceu; a montanha desapareceu.
A água tocou o céu; e o Senhor mandou então que parasse. O sol olhando só viu céu e água, e
entre a água e o céu, a palmeira que boiava levando Tamandaré e sua companheira.
A corrente cavou a terra; cavando a terra, arrancou a palmeira; arrancando a palmeira, subiu
com ela; subiu acima do vale, acima da árvore, acima da montanha.
Todos morreram. A água tocou o céu três sóis com três noites; depois baixou; baixou até que
descobriu a terra.
Quando veio o dia, Tamandaré viu que a palmeira estava plantada no meio da várzea; e ouviu
a avezinha do céu, o guanumbi, que batia as asas.
Desceu com a sua companheira, e povoou a terra.
(In —— O Guarani. p. 219)
Português para estrangeiros | Ester Ester Abreu V. de Oliveira
216