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amalgama-se tudo: signos linguísticos, sons, imagens. Não há tempo passado, nem tempo futuro – existe um eterno-agora, uma temporalidade poética que anseia em liberdade, procura, à todo custo, o que Adorno refletiu: “a grandeza da arte [...] em situar-se no mundo como um objeto ‘não-identificado.’” Eu sou um estranho a mim mesmo a partir do momento que recobro a consciência de mim – ponderaria a arte e, certamente, Paulo Martins em seus últimos momentos em vida.

Relembrar, recordar, reviver – poderia se formular um prólogo assim a respeito do enredo de Terra em Transe. Pode-se dizer que é um flashback de quase 90 minutos; o início é a retomada do fim, um simbolismo de ruptura, psicológica e temporal. Alimentação retroativa de sentimentos amargurados de um poeta que morre, literalmente e figurativamente, por conta do impasse em vida de um entrelugar político. Paulo Martins, jornalista e poeta, como afirma Sara, uma de suas amantes, não suporta a fusão do ser poético e do ser político - confunde-se, erra, volta e, por fim, expira-se. Conforme a sua fala reproduz: “A minha loucura é a minha consciência, minha consciência está aqui, no momento da verdade, na hora da decisão, da luta, mesmo na certeza da morte.” E ele precisa resistir, precisa cantar, ele precisa. Mesmo em direção ao fim, ele precisa da segunda vida da arte para se manter consciente de uma morte que tem uma utilidade inútil. A contradição o persegue. As imagens contrárias, os signos opostos são os seus eternos martírios. Adere, de primeira, ao apoio de Porfírio Diaz, senador da província de Eldorado, ligado à uma postura política mais conservadora, que flerta com ideais burgueses, em seu sentido não-latente da palavra. Todavia, na sua trajetória imbuída de constantes cisões, ele rompe-se com Porfírio, e junta-se ao candidato Felipe Vieira, o qual tem afinidades, pelo menos em tese, com um regime populista e que preza pelo bem-estar social das massas, do povo. Entretanto, como se escutando a Boetie, ele vê a sua utopia de bem comum, de revolução do povo, se esvair em corrupções de poder e de inúmeras

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Vasos comunicantes: poesia e filme, política e arte