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atenção, podemos ler: Sarau. Ao final do vídeo, indicam-se: a atriz Naruna Costa. O autor Marcelino Freire. Na construção da performance, porque “escuramente” é uma performance, os detalhes são todos pensados: as roupas, os gestos, os olhares, a modulação da voz. Todos elementos que, a despeito ou em favor de minha subjetividade que se arrepia com a interpretação, me permitem contextualizar este evento como arte, pensando nas reflexões-provocações de Nelson Goodman acerca do que caracteriza uma peça como artística, ou puramente artística (GOODMAN, 1984).
Há vários aspectos que deslocam o olhar e o sentir para saírem do âmbito apenas da empatia-raiva-ódio-dor, e ter também uma experiência estética, que me indicam que há algo para apreciar, subjetiva e objetivamente. Se vivo em uma realidade onde diariamente tenho acesso a tantas formas de discursos que me falam das estatísticas de guerra civil das mortes nas periferias brasileiras, se várias vezes por dia ouço pessoas marginalizadas, na rexistência necessária, a vender “biscoitos, chicletes, balas”, ou a pedir “uma ajuda a você pai, a você mãe”, e se também experimento sentimentos que não são de segurança ao passar perto de policiais… Quando Naruna e Marcelino se apropriam dessas questões reais e as recriam, recontam, performatizam, trazem outros matizes - de ritmo, de construção de beleza, de elaboração de um discurso que fica tão poderoso quando Naruna o incorpora, que sou capaz de ouvi-lo várias vezes, apesar de ferver por dentro o modo com que ele toca - há uma recriação poética que transcende o relato cotidiano e pula a cerca para a performance, a literatura, a interpretação.
Mas poderia muito bem não ser. Acabo de descrever quão real é tudo ali. Sei que na sociedade racista em que vivo, aquela mulher poderia ser uma mãe “qualquer” à beira de perder a cabeça, depois de tantas outras perdas; sei que se não houvesse a moldura de filme e de sarau, a dicção asdfs origens,
quando o grito é arte?