Quando o grito é arte?
Uma mulher negra, com uma longa faixa de tecido branco a proteger/amarrar-lhe os cabelos, vestida com roupas superpostas, majoritariamente brancas, mangas compridas, e um longo colar de miçangas, para em frente a uma entrada fechada de loja ou bar. Jovem, mas de aspecto algo maltratado, cansado, ela olha ao redor, eleva a voz e declara: “Eu não sou da paz…” encara-mede quem está em volta com desdém e continua: “não sou mesmo não, não sou… Paz é coisa de rico…”
O que gosto na performance de Naruna Costa é a força que ela tem. Quando ela fala, declama, declara, as palavras cessam de ser apenas uma denúncia em formato de ficção e são verdade. Eu me arrepio com a raiva, a dor, a tristeza, a saudade, a revolta. E vejo a mulher negra de periferia que está cansada de todo o circo em torno da paz de televisão, enquanto tudo continua igual, longe das festas e celebridades. E sinto junto o desprezo real pela polícia, por tudo que faz, por todos que cala. E sinto a impotência de tantas, do vazio que não sara jamais, quando da perda de um filho:
Quem vai ressuscitar o meu filho? Joaquim... Eu é que não vou levar a foto do menino lá embaixo, ficar esfregando na avenida a minha ferida, muito menos ao lado de polícia. Toda vez que eu vejo a foto do Joaquim, dá uma saudade. Sabe? Uma dor na vida. Uma dor, dor… (FREIRE, 2008)
O que transforma algo que é a realidade absurda e surreal, por ser real para tantas pessoas no Brasil, em arte? Atrás da mulher, com alguma
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Juliana fajardini
Naruna Costa interpreta Da Paz, de Marcelino Freire, no Sarau do Binho, em São Paulo, performance encontrada em trecho do filme Curta Saraus.