O voo da Gaivota 1 | Page 8

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noutro idioma, como uma estrangeira bilíngue. Fiz o liceu, como quase toda a gente.
E tive mais medo da prova escrita que da oral. Isto pode parecer estranho para alguém com dificuldade em oralizar palavras, mas escrever é ainda um exercício difícil para mim.
Quando pensei fazer este livro, algumas pessoas disseram-me: " Não vais conseguir!"
Vou sim! Quando resolvo fazer uma coisa vou até ao fim.
Queria conseguir. Tinha decidido que havia de conseguir. Dei início à minha pequena tarefa pessoal com a obstinação que me caracteriza desde sempre.
Outras pessoas mais curiosas perguntaram-me como é que eu ia fazer. Ser eu própria a escrever? Contar o que tencionava escrever a alguém que ouvisse e traduzisse os meus sinais?
Fiz as duas coisas. Cada palavra escrita e cada gesto encontraram-se como irmãos. Por vezes como gémeos.
O meu francês é um pouco liceal, como uma língua estrangeira que se aprendeu separada da sua cultura. A linguagem gestual é a minha verdadeira cultura. O francês tem o mérito de descrever objetivamente o que pretendo exprimir. O gesto, esta dança de palavras no espaço, é a minha sensibilidade, a minha poesia, o meu eu íntimo, o meu verdadeiro estilo. Ambos em conjunto permitiram-me escrever este relato da minha jovem existência em algumas páginas; de ontem, quando me encontrava ainda atrás daquele muro de concreto transparente, até hoje, após ter ultrapassado esse muro. Um livro é um importante testemunho. Um livro vai a todo o lado, passa de mão em mão, de espírito em espírito, deixando ali a sua marca. Um livro é um meio de comunicação raramente proporcionado aos surdos.
Na França, terei o privilégio de ser a primeira, assim como fui a primeira atriz surda a receber o Prémio Molière de teatro. Este livro é uma dádiva da vida. Vai permitir-me dizer aquilo que sempre calei, quer em relação a outros surdos quer em relação àqueles que ouvem. é uma mensagem, um empenhamento no combate pela língua gestual, que separa ainda muita gente. Nele utilizo o idioma dos que ouvem, a minha segunda língua, pois afirmo com absoluta certeza que a língua gestual é a primeira língua, a nossa, a que nos permite ser seres humanos " comunicantes ". Para dizer também que nada deve ser recusado aos surdos, que todas as linguagens podem ser utilizadas, sem guetos nem ostracismos, para que possam ter acesso à VIDA.