O voo da Gaivota 1 | Page 7

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1. Confidência
Desde a minha infância que considerei as palavras como uma coisa bizarra. E digo bizarra pelo que inicialmente continham de estranho. O que quereria dizer aquela mímica das pessoas à minha volta, com a boca num círculo ou esticada em diferentes caretas, os lábios formando trejeitos esquisitos?
Eu " sentia " a diferença quando se tratava de zanga, de tristeza ou de alegria, mas o muro invisível que me separava dos sons correspondentes àquela mímica era ao mesmo tempo de vidro transparente e de concreto. Imaginava encontrar-me dum lado desse muro e os outros, de igual modo, do outro lado. Quando eu tentava reproduzir a sua mímica como um macaquinho de imitação, continuavam a não ser palavras, mas letras visuais. Por vezes ensinavam-me palavras de uma sílaba, ou de duas sílabas, como " papá ", " mamã ", " tátá,". Os mais simples conceitos eram ainda mais misteriosos.
Ontem, hoje, amanhã. O meu cérebro funcionava no presente. O que quereriam dizer o passado e o futuro?
Quando compreendi, com o auxílio de gestos, que ontem significava atrás de mim e amanhã à minha frente, dei um salto fantástico. Tratou-se de um progresso imenso, que aqueles que ouvem têm dificuldade em imaginar, habituados como estão desde o berço a entender palavras e conceitos repetidos exaustivamente, sem mesmo se darem conta.
Em seguida apercebi-me de que outras palavras designavam pessoas. Emmanuelle, era eu. Papá, era ele. Mamã, era ela. Maria, a minha irmã. Eu era Emmanuelle, existia, tinha uma definição, por conseguinte, uma existência.
Ser alguém, compreender que se está vivo. A partir daí pude dizer " EU ". Anteriormente eu dizia " ELA," quando me referia a mim própria. Procurava o meu lugar neste mundo, quem eu era, e porquê. E encontrei-me. Chamo-me Emmanuelle Laborit. Depois, pouco a pouco, pude analisar a correspondência entre os atos e as palavras que os designam, entre as pessoas e os seus atos. E de súbito o mundo pertencia-me e eu fazia parte dele.
Teria então sete anos. Nascera e crescera de uma só vez. Tinha tanta fome e sede de aprender, de conhecer, de compreender o mundo que desde então nunca mais parei. Aprendi a ler e a escrever em francês. Tornei-me tagarela, curiosa acerca de tudo, exprimindo-me no entanto