O voo da Gaivota 1 | Page 38

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Como é evidente, não aprendi tudo isto em dois dias. Em casa continuo a utilizar um pouco o código materno, acrescentando-lhe uns gestos. Lembro-me de que me compreendiam, mas não me recordo qual foi a primeira frase que disse por gestos e que foi entendida.
A pouco e pouco, arrumei as coisas na minha cabeça e comecei a construir um pensamento, uma reflexão organizada.
E sobretudo a comunicar com o meu pai.
Depois a minha mãe resolve vir juntar-se a nós em Vincennes. Também ela vai sair do túnel onde encerraram os meus pais quando eu nasci, dando-lhes falsas informações e falsas esperanças. Foi um choque para a minha mãe, aquele local de reunião especificamente para surdos. Local de vida, de criação, de ensino para surdos. Local de encontro com outros pais mergulhados nas mesmas dificuldades, com profissionais da surdez, que põem em causa as informações e as práticas da classe médica. Porque eles decidiram ensinar uma língua. A língua gestual. Não um código, não uma algaraviada, mas uma verdadeira língua. Ao recordar a primeira vez que foi a Vincennes, a minha mãe disse:
" Fiquei cheia de medo. Vi-me confrontada com a realidade.
Era como que um segundo diagnóstico. Toda aquela gente era muito calorosa, mas ouvi os relatos do seu sofrimento de crianças, o terrível isolamento em que tinham vivido anteriormente.
As dificuldades dos adultos, o seu permanente combate. Dava-me náuseas. Como eu me tinha enganado. Como me tinham
enganado quando me disseram: " Com a reeducação e as próteses auditivas, ela há-de vir a falar.. ""
O meu pai diz: " Foi por pouco que na altura não ouvi, ou desejei ouvir, " um dia ela vai poder OUVIR "." Vincennes é outro mundo, o da realidade dos surdos, sem indulgência inútil, mas também o da esperança dos surdos.
É claro, um surdo consegue falar, melhor ou pior, mas não passa de uma técnica incompleta para muitos de nós, os surdos
profundos. Com a língua gestual, acrescida da oralização e da