O voo da Gaivota 1 | Page 37

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Para aqueles que nascem com o nome na cabeça, o nome que o pai e a mãe repetem, que têm por hábito virar a cabeça quando alguém chama por esse nome, deve ser difícil entenderem-me. A sua identidade é-lhes dada à nascença. Não precisam de pensar no assunto, não se interrogam acerca de si mesmos. São " eu ", são " eu, mim " naturalmente, sem esforço. Conhecem-se, identificam-se, apresentam-se às outras pessoas com um símbolo que os representa. Mas a Emmanuelle surda não sabia que era " eu " ou " mim ". Compreendeu-o com a língua gestual, e agora sabe. Emmanuelle agora pode dizer: " Chamo-me Emmanuelle."
Que felicidade, essa descoberta! Emmanuelle já não é aquele duplo cujas necessidades, desejos, recusas, angústias, tinha tanto trabalho em explicar. Descubro o mundo que me rodeia e eu estou no meio do mundo.
Foi também a partir desse momento, ao conviver com adultos surdos, que deixei completamente de pensar que ia morrer.
Deixei mesmo de pensar nisso. E foi o meu pai quem me ofereceu esse magnífico presente.
Foi como renascer, como uma vida que começa. O primeiro muro a ser derrubado. Existem ainda alguns à minha volta, mas a primeira brecha na minha prisão já se abriu, vou compreender o mundo com os olhos e as mãos. Adivinho-o já. E estou tão impaciente!
Diante de mim está aquele homem maravilhoso que me ensina o mundo. Os nomes das pessoas e das coisas; há um gesto para Bill, um para Alfredo, um para Jacques, meu pai, outro para a minha mãe, para a minha irmã, para a casa, a mesa, o gato... Vou viver! E tenho tantas perguntas para fazer. Tantas, tantas... Estou ávida, sedenta de respostas, já que podem finalmente responder-me!
De início misturo todos os meios de comunicação. As palavras que saem oralmente, os gestos, a mímica. Estou um pouco perturbada, confusa. Aquela língua gestual caiu-me em cima de forma súbita, só ma deram aos sete anos, preciso de me organizar, de fazer uma triagem de todas as informações que vão surgindo. E são consideráveis. Por exemplo, a partir do momento em que se pode dizer com as mãos, numa linguagem académica e construída: " Chamo-me Emmanuelle. Tenho fome. A minha mãe está em casa, o meu pai está comigo. O meu colega chama-se Júlio, o meu gato chama-se Bobine..." A partir desse momento, tornamo-nos um ser humano comunicante, capaz de se construir.