O voo da Gaivota 1 | Page 34

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seus aparelhos auditivos. Ora, acontece que um era surdo e o outro não. Um chama-se Alfredo Corrado e o outro Bill Moody, uma pessoa que ouve e sabe interpretar a língua gestual.
Vejo Alfredo e Bill fazerem gestos entre si, vejo que o meu pai compreende o Bill, uma vez que Bill fala. Mas aqueles gestos não me dizem nada, são espantosos, rápidos, complicados. O código simplista que inventei com a minha mãe é à base de mímica e de palavras oralizadas. É a primeira vez que vejo aquilo. Fito aqueles dois homens de boca aberta. Mãos, dedos a mexer, o corpo também, a expressão dos rostos. É belo e fascinante.
Quem é o surdo? Quem é o que ouve? Um verdadeiro mistério. Então digo para mim mesma: " Olha, é alguém que ouve e que discute com as mãos!"
Alfredo Corrado é um belo homem, alto, do tipo italiano, cabelos muito negros e um corpo delgado. O rosto é um pouco severo e tem bigode. Bill tem os cabelos um pouco compridos, lisos, olhos azuis e " uma barriguinha ". É uma pessoa um pouco sobre o gordo, irradiando simpatia. Aparentam ambos a mesma idade do meu pai.
Também lá está Jean Grémion, director e fundador do centro social e cultural para surdos, que nos recebe.
Alfredo chega à minha frente e diz: " Sou surdo como tu, uso os gestos. É a minha língua." Usando a mímica, perguntei: Por que é que não usas aparelho auditivo?"
Ele sorriu. Para ele é evidente que um surdo não precisa de aparelho, enquanto para mim representa um ponto de referência visível.
Alfredo é, pois, surdo, não usa aparelho e ainda por cima é
adulto. Creio que levei algum tempo a compreender aquela tripla bizarria.
Em contrapartida, aquilo que eu compreendi de imediato foi que não estava só no mundo. Revelação que foi um choque. Um
deslumbramento. Eu, que me julgava única e destinada a morrer criança, como imaginam tantas crianças surdas, descubro que tenho um futuro possível, uma vez que Alfredo é adulto e surdo.