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O que é que representa para mim uma palavra naquela tela? Um esforço para que a minha pequena linha verde alcance a mesma altura que a da ortofonista. É cansativo, e repete-se uma palavra atrás da outra sem saber o seu significado. Um exercício de garganta. Um método de papagaio.
Nem todos os surdos conseguem articular, quem disser o contrário mente. E quando conseguem a expressão é limitada.
No meu próximo regresso à escola vou fazer sete anos e estou ao nível de um infantário. Mas a minha existência, o universo restrito no qual me movimento, a maior parte do tempo em silêncio, estão prestes a estoirar de uma só vez.
O meu pai ouviu qualquer coisa na rádio. Essa qualquer coisa é um milagre que está para chegar e que eu nem imagino.
A rádio é um objecto misterioso que fala com aqueles que ouvem e à qual não presto a menor atenção. Mas naquele dia, na estação France-Culture, disse o meu pai, é um surdo quem fala!
O meu pai explicou à minha mãe que aquele homem, ator e encenador de teatro, Alfredo Corrado, fala em silêncio a língua gestual. Trata-se de uma língua completa, por inteiro, que se fala no espaço, com as mãos, a expressão do rosto, do corpo!
Um intérprete, também ele americano, traduz em voz alta, em francês, para os ouvintes. Aquele homem diz que criou em 1976 o Teatro Visual Internacional( International Visual Theatre, IVT), o teatro dos surdos de Vincennes. Alfredo Corrado trabalha nos Estados Unidos. Em Washington existe uma universidade, a Universidade Gallaudet, destinada a surdos e foi ali que ele fez os seus estudos universitários.
O meu pai fica em estado de choque. Um surdo capaz de fazer estudos universitários, quando em França mal conseguem atingir a primeira classe do secundário!
Está ao mesmo tempo louco de alegria e furioso.
Furioso porque como médico, confiou nos colegas. Os pediatras, os otorrinolaringologistas, os ortofonistas, todos os pedagogos que lhe afirmaram que só a aprendizagem da língua
falada me poderia ajudar a sair do isolamento. Mas ninguém lhe deu qualquer informação acerca da língua gestual. É a primeira vez que ouve falar disso e ainda por cima através de um surdo!