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Procuro um refúgio que amo.( Como não podia deixar de ser, levo a injeção.)
Sinto aquele reflexo de fuga de cada vez que querem impor-me alguma coisa, ou quando não entendo. Quer se trate de acabar a sopa, quer de uma injecção, uma qualquer forma de quererem forçar-me, reajo como posso, visto não ter o uso da
palavra. Uma acção serve-me de discurso. Na verdade devo dizer que aquela reacção de fuga perante uma ordem se mistura
também com a minha maneira de ser. Sou independente, voluntariosa, obstinada. A solidão do silêncio talvez tenha contribuído para o acentuar. É " tifiti " de dizer...
7 Chamo-me " Eu "
Mas Emmanuelle é de algum modo uma pessoa exterior a mim. Como um duplo. Quando falo comigo digo: " A Emmanuelle não te ouve."“ A Emmanuelle fez isto, fez aquilo..."
Em mim, transporto a Emmanuelle surda e tento falar para ela, como se fôssemos duas.
Também sei dizer mais algumas palavras, umas que consigo articular mais ou menos bem, outras não.
O método ortofónico consiste em colocar a mão sobre a garganta do educador para sentir as vibrações da pronúncia. Aprendem-se os r, o r vibra como ra. Aprendem-se os f, os ch. O ch coloca-me um problema, a coisa não funciona. Das consoantes para as vogais, sobretudo das consoantes, passa-se para as palavras inteiras. Durante horas repete-se a mesma palavra. Imito o que vejo nos lábios da ortofonista, com a mão no seu pescoço; imito como um macaquinho.
De cada vez que se diz uma palavra, aparece uma frequência na tela de um aparelho. Linhas verdes, como as de um electrocardiograma feito nos hospitais, que dançam diante dos
meus olhos. É preciso seguir aquelas linhas que sobem, e descem, caem, e saltam e voltam a cair.