O voo da Gaivota 1 | Page 24

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óbvio: tinha compreendido que precisava mergulhar os seus lindos olhos verdes nos meus para se fazer entender. Eu bem gostaria de comunicar com ele. Por vezes, quando me encontrava em cima da cama, mordiscava-me os pés na brincadeira. Apetecia-me dizer-lhe que era um " chato ". Tentava por gestos dizer: " Pára, estás me incomodando!". Mas não adiantava. Apercebia-me quando ele ficava zangado: aí, não me respondia. Parecia a estátua de um gato.
Quando eu desenho animado do Piu-Piu e Silvestre, aquela violência contra o pobre gato encheu-me de horror em relação ao Piu-Piu. Fazia o que queria, arreliava o pobre gato; e o bichano, esse, não compreendia nada e perdia sempre. Era um ingênuo. E o Piu-Piu muito desleal.
Procuro uma independência difícil num mundo difícil. Tenho mesmo dificuldade em pronunciar a palavra difícil. Digo:
" tifiti." " tifiti " dizer " tifiti ".
E é " tifiti ", a minha existência sem a minha mãe. Aventuro-me a fazer coisas sem o meu cordão umbilical. Sozinha, para me aborrecer menos. Que idade teria? Aquela aventura terá sido antes ou depois da morte do gato? Não sei. Disse: " Vou sozinha ao banheiro." Na realidade, não o disse à minha mãe. Disse aquela frase para mim mesma. Habitualmente, vou sempre acompanhada pela minha mãe. Mas estamos em casa de amigos, ela está entretida a conversar, não me presta atenção e eu resolvo desenvencilhar-me sozinha.
Entro no banheiro e fecho-me por dentro, como um adulto. Não consigo sair. Talvez eu tenha emperrado o fecho, talvez o tenha entortado, não sei. Ponho-me aos gritos, aos gritos e aos murros na porta. Fechada, sem conseguir sair. É angustiante. A minha mãe está ali, atrás da porta; ela ouviu o barulho, mas eu, claro, não sei nada disso. De repente, a comunicação caiu completamente. Há um verdadeiro muro entre mim e a minha mãe. é assustador. Tenho a certeza de que a minha mãe tentou acalmar-me, deve ter dito: " Não te aflijas, fica calma.", Mas como não a vejo, também não a ouço. E julgo que ela ficou conversando com a amiga, que estou sozinha. Fico apavorada. Vou ficar toda a vida fechada naquele cubículo, aos gritos no silêncio!
Finalmente vejo um papel deslizar por debaixo da porta. A minha mãe fez um desenho, visto que eu não sei ler. Há a figura de uma criança a chorar, que ela riscou. A seu lado, uma outra criança ri.