O voo da Gaivota 1 | Page 23

23
disse: " Acabou-se." Aquilo queria dizer que o gato tinha desaparecido, que se tinha ido embora. Que não voltaria a vê-lo.
Eu não sabia o significado de morte. Tornaram a explicar-me que tinha sido o fim, que ele não voltaria nunca mais. " Nunca ", eu não sabia o que era. " Morte " também não. Finalmente entendi uma úniica coisa: morte era o fim, algo que terminava. Eu julgava que os adultos eram imortais.
Os adultos iam e vinham. Nunca acabavam. Mas eu não. Eu havia de " partir ". Tal como o gato. Não me imaginava como adulta, via-me sempre criança. Toda a vida. Julgava-me limitada ao meu estado atual. E sobretudo achava que era única, só no mundo. Só a Emmanuelle é que é surda, mais ninguém. Emmanuelle é diferente. Emmanuelle nunca há-de crescer.
Eu não podia comunicar com as outras pessoas, portanto não era como as outras pessoas, os adultos. ia pois " acabar ", e houve alturas, quando eu não conseguia mesmo comunicar, perguntar tudo aquilo que pretendia compreender, ou quando não havia resposta, então aí pensava na morte. E tinha medo.
Sei agora porquê: nunca tinha visto um adulto surdo. Só tinha visto crianças surdas na aula de ensino especial que eu frequentava no infantário. Portanto aquilo que eu achava era que as crianças surdas não cresciam. Iríamos todos morrer assim, em pequenos. Creio que ignorava mesmo que aqueles que ouvem já tinham sido crianças! Não havia qualquer referência possível.
Quando compreendi que o gato já lá não estava, que tinha " partido,", tentei entender com todas as minhas forças. Precisava de voltar a ver o gato para entender.
os meus olhos me ajudavam a entender as com a idéia de que se tinha " ido embora,". Era demasiado complicado.
Quando a minha irmã nasceu, surgiu um outro gato, desta vez preto. Demos-lhe um nome, chamava-se Bobine. Foi o meu pai quem escolheu o nome, em memória do Fort-Da de Freud, segundo disse. Andava sempre a brincar com carrinhos de linhas. Sabia que eu era surda. E eu sabia que ele sabia. Era evidente. Quando Bobine tinha fome chamava a minha mãe, miava atrás dela, rodeava-a, escapava ao seu olhar, mas ela ouvia-o, é claro. De início tinha experimentado comigo, mas compreendeu que eu não respondia, e isso enervava-o. Então, pôs-se me