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disse : " Acabou-se ." Aquilo queria dizer que o gato tinha desaparecido , que se tinha ido embora . Que não voltaria a vê-lo .
Eu não sabia o significado de morte . Tornaram a explicar-me que tinha sido o fim , que ele não voltaria nunca mais . " Nunca ", eu não sabia o que era . " Morte " também não . Finalmente entendi uma úniica coisa : morte era o fim , algo que terminava . Eu julgava que os adultos eram imortais .
Os adultos iam e vinham . Nunca acabavam . Mas eu não . Eu havia de " partir ". Tal como o gato . Não me imaginava como adulta , via-me sempre criança . Toda a vida . Julgava-me limitada ao meu estado atual . E sobretudo achava que era única , só no mundo . Só a Emmanuelle é que é surda , mais ninguém . Emmanuelle é diferente . Emmanuelle nunca há-de crescer .
Eu não podia comunicar com as outras pessoas , portanto não era como as outras pessoas , os adultos . ia pois " acabar ", e houve alturas , quando eu não conseguia mesmo comunicar , perguntar tudo aquilo que pretendia compreender , ou quando não havia resposta , então aí pensava na morte . E tinha medo .
Sei agora porquê : nunca tinha visto um adulto surdo . Só tinha visto crianças surdas na aula de ensino especial que eu frequentava no infantário . Portanto aquilo que eu achava era que as crianças surdas não cresciam . Iríamos todos morrer assim , em pequenos . Creio que ignorava mesmo que aqueles que ouvem já tinham sido crianças ! Não havia qualquer referência possível .
Quando compreendi que o gato já lá não estava , que tinha " partido ,", tentei entender com todas as minhas forças . Precisava de voltar a ver o gato para entender .
os meus olhos me ajudavam a entender as com a idéia de que se tinha " ido embora ,". Era demasiado complicado .
Quando a minha irmã nasceu , surgiu um outro gato , desta vez preto . Demos-lhe um nome , chamava-se Bobine . Foi o meu pai quem escolheu o nome , em memória do Fort-Da de Freud , segundo disse . Andava sempre a brincar com carrinhos de linhas . Sabia que eu era surda . E eu sabia que ele sabia . Era evidente . Quando Bobine tinha fome chamava a minha mãe , miava atrás dela , rodeava-a , escapava ao seu olhar , mas ela ouvia-o , é claro . De início tinha experimentado comigo , mas compreendeu que eu não respondia , e isso enervava-o . Então , pôs-se me