O voo da Gaivota 1 | Page 22

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A dança está-me no sangue . Quando adolescente adorava ir a boites com os meus colegas surdos . É o único local onde se pode pôr a música altíssima sem termos que nos preocupar com os outros . Eu dançava toda a noite com o meu corpo colado aos balaústres da pista , vibrando ao ritmo da música . As outras pessoas , aquelas que ouvem , olhavam para mim espantadas . Deviam julgar que eu era louca .
5 . Gato Branco , Gato Preto
O meu pai levava-me ao infantário e eu gostava muito de ir com ele . Ficava sozinha a um canto a desenhar . à noite , com a minha mãe , voltava a fazer muitos desenhos . Lembro-me também dum jogo que se chamava a batalha . Cada um de nós tinha cores diferentes . Ou então a minha mãe fazia um desenho e eu tinha que acrescentar um olho , um nariz - adorava aquele jogo . Havia desenhos espalhados por toda a parte .
Recordo também uma sala e um disco esquisito que anda à roda e sobre o qual se coloca uma folha de papel . Em cima desse papel ponho desenhos de todas as cores e a minha mãe também ; as cores espalham-se à velocidade do disco , ao acaso . Não consigo perceber como é que isso acontece . Mas é lindo . Vemos também desenhos animados na televisão ou no cinema . Lembro-me do Piu-Piu e Silvestre . Ao fim de um quarto de hora de filme já eu choro , soluço e fungo tanto que a minha mãe se aflige . Eu via os outros rirem dos disparates que fazia o Silvestre e não conseguia perceber por que achavam aquilo divertido . Sofria muito com aquela crueldade própria das crianças . Não era justo que o Silvestre se deixasse sempre apanhar ou que o esborrachassem de encontro às paredes . Era assim que eu via as coisas .
Talvez fosse demasiado sensível e gostasse também muito de gatos . Tinha um gato branco . Para mim não tinha nome , era o gato . E gostava muito dele . Fazia-o saltar no ar , fingia que era um avião , brincava aos helicópteros com ele . Puxava-lhe a cauda . Devia ser infernal , mas o fato é que o gato me adorava . Eu massacrava-o o tempo todo e ele cada vez gostava mais de mim .
Um dia ele apareceu com um enorme ferimento na barriga . Não sei como nem quando . Estávamos no campo . O meu pai , que estudava então medicina , cuidou dele , coseu-lhe o ferimento , mas não adiantou . O gato morreu . Perguntei o que tinha acontecido . O meu pai