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que não é verdade. Que é brincadeira. Mas amo o ventre da minha mãe e o som da vida que há lá dentro.
Também amo o ventre do meu pai, quando à noite conversa com os amigos ou com a minha mãe. Estou cansada, estiraço-me ao lado dele com a cabeça encostada à barriga e ouço a sua voz. A voz dele passa pela barriga e eu sinto as vibrações.
O que me acalma, me dá segurança, é como uma canção de embalar e eu adormeço com aquelas vibrações., serenamente.
Percepção física de conflito, diferente: a minha mãe dá-me um açoite. Lembro-me bem desse açoite. Na altura devo ter compreendido o motivo daquele açoite, mas agora já não me lembro. A minha mãe sai com dores nas mãos e eu fico com dores nas nádegas. Choramos ambas. Os meus pais nunca me batiam, imagino pois que ela devia estar realmente zangada, mas ignoro qual a razão. É a única recordação que tenho de ter sofrido um castigo.
De resto, as relações conflituosas com a minha mãe são complicadas. Por exemplo, eu não quero comer uma coisa qualquer. A minha mãe diz:
" Tens que acabar o que está no prato.", Mas eu não quero. Então ela faz o jogo do avião com a colherzinha.
Uma colher para o papá, uma para a avó... eu percebo muito bem aquela história... e uma para mim. Abro a boca e engulo. Mas por vezes acontece que não quero comer. Não quero mesmo. Enfureço-me com a minha mãe. A gaivota fica zangada. E quando me farto levanto-me da mesa. Todos julgam que estou a brincar, mas não estou. Faço a mala, meto-lhe dentro as bonecas, estou de facto furiosa. Desejo ir-me embora.
A mala é uma mala de boneca. Não lhe meto dentro o meu casaco, meto os casacos das bonecas juntamente com elas. Não sei porquê. Talvez as bonecas sejam eu própria e eu queira fazer crer que sou eu quem parte. Saio para a rua. A minha mãe entra em pânico, vai atrás de mim. Faço isto quando estou realmente zangada ou se tivemos uma briga. Sou uma pessoa, não posso obedecer sempre. É preciso estar sempre de acordo com a minha mãe, mas eu quero ser independente. Emmanuelle é diferente. Somos diferentes uma da outra.
Com o meu pai brinco, divertimo-nos, rimos muito, mas será que comunicamos realmente? Não sei. Ele também não. E isso digo-lhe.