O voo da Gaivota 1 | Page 17

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Para pedir para fazer xixi , apontava a casa de banho , para comer indicava o que queria comer e punha a mão na boca . Até à idade de sete anos não existem na minha cabeça nem palavras nem frases . Unicamente imagens . Quando puxava pela minha mãe para lhe dizer alguma coisa , não queria que ela olhasse para outro lado , queria que olhasse única e exclusivamente para mim . Lembro-me disso , por conseguinte havia um pensamento uma vez que eu " pensava ", na comunicação e a desejava . Havia situações específicas . Por exemplo , numa reunião de família . Muita gente , com as bocas a moverem-se sem parar . Eu aborrecia-me . Ia para outro quarto da casa olhar para os objetos , para s coisas . Agarrava-as com as mãos para as ver melhor . Depois disso regressava para junto das outras pessoas e puxava pela minha mãe . Puxar por ela era chamá-la . Para que olhasse para mim , se lembrasse de mim . Era difícil quando havia mais pessoas : perdia a comunicação com ela . Sentia-me só no meu planeta e queria q única ligação com o resto do mundo .
O meu pai olhava para nós , continuando a nada entender . Percebo que o meu pai está zangado . Reconheço aquela expressão . Pergunto : " Está alguma coisa errada ?".
Reproduzo em mímica a zanga do meu pai . Ele responde : " Não , não , está tudo bem ."
Ás vezes puxo pela minha mãe para que ela traduza , quero saber mais , quero perceber o que se passa . Porquê , porquê ... por que é que eu vi que o meu pai estava aborrecido ? Mas ela não pode estar sempre a traduzir . E então regresso à escuridão do silêncio .
Quando há visitas olho muito para as suas caras . Observo todos os tiques , todas as manias . Há pessoas que não encaram os interlocutores quando estão à mesa a conversar . Mexem nos talheres . Enrolam o cabelo nos dedos . São imagens que fazem coisas . Não sei exprimir o que sinto . Vejo . Vejo se estão contentes ou se não estão . Vejo se estão enervados . Ou se não estão a ouvir os outros . Tenho olhos para ouvir , mas há um limite .
Apercebo-me de que comunicam uns com os outros através da boca ; e é aí que eu sou diferente . Fazem barulho com a boca . Quanto a mim , não sei o que é barulho . Nem silêncio . São duas palavras sem sentido .
A não ser dentro de mim , onde o silêncio não existe . Ouço assobios , muito agudos . Suponho que virão de outro lado , do exterior , do meu lado de fora , mas não , são ruídos meus , que só eu escuto .
Tiveram que me pôr um aparelho aos nove meses . As crianças têm
muitas vezes um aparelho com auriculares ligados a um cordão em Y , com um microfone sobre a barriga : é um aparelho monofonico . Não