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Mas as luzes eram sons imaginários , desconhecidos , que me enchiam de angústia . Se eu tivesse conseguido fazer-me entender , estou certa de que nunca me teriam deixado sozinha . É preciso alguém durante a noite junto de uma criança surda . É imprescindível uma presença .
Tenho ainda na cabeça outro pesadelo . Vou no banco de trás do carro e a minha mãe conduz . Chamo a minha mãe , quero fazer-lhe algumas perguntas , quero que me responda , chamo-a e ela não vira a cabeça . Insisto . Quando finalmente se volta dá-se o acidente , o carro precipita-se numa ravina e em seguida no mar . Vejo a água à minha volta . É pavoroso . Insuportável .
O acidente deu-se por minha culpa e acordo cheia de angústia .
Durante o dia chamo frequentemente a minha mãe para comunicar . Quero saber o que se passa , quero estar sempre a par de tudo , é uma necessidade . Ela é a única pessoa que me compreende de facto , usando aquela linguagem inventada desde o início , aquela linguagem " umbilical ", animal , aquele código particular , instintivo , feito de mímica e de gestos . Tenho tantas coisas amontoadas na minha cabeça , tantas perguntas , que preciso dela o tempo todo . Aquele pesadelo em que ela não me responde , não vira a cabeça para olhar para mim , era a angústia profunda da minha idade de então .
Para as crianças que aprendem muito cedo a língua gestual ou que têm pais surdos , é diferente . Esses fazem progressos notáveis . Quanto a mim , estava nitidamente atrasada , só aprendi essa língua aos sete anos . Anteriormente , eu devia ser considerada uma " débil mental ", uma selvagem . E de loucura . Como é que as coisas se passavam ? Eu não tinha língua . Como é que consegui construir-me ? Como é que tive entendimento ? Como é que eu fazia para chamar as pessoas ? Como é que eu fazia para pedir alguma coisa ? Lembro-me de usar de mímica amiúde . Teria pensamentos ? É evidente que sim . Mas em que pensaria eu ? Na sensação de estar fechada atrás de uma porta enorme que não conseguia abrir para me fazer entender pelos outros . E puxava a minha mãe pela manga , pelo vestido , mostrava-lhe objetos diversos , uma quantidade de coisas , ela compreendia e respondia-me .
Lentamente ia fazendo progressos . Imitava palavras . " Água ", por exemplo , foi a primeira palavra que eu disse . Imitava o que via nos lábios da minha mãe . Eu não me ouvia , mas fazia um " Ô ", punha a boca em " Ô " ( som idêntico a eau igual a água .). Um " Ô " que fazia vibrar a minha garganta transmitindo à minha mãe um som particular .
E assim as palavras tornaram-se coisa nossa , minha e dela , que mais ninguém conseguia entender . A minha mãe queria que eu fizesse um esforço para falar , e eu tentava , para a ajudar , mas sobretudo porque tinha vontade de apontar , de mostrar as coisas .