16
Mas as luzes eram sons imaginários, desconhecidos, que me enchiam de angústia. Se eu tivesse conseguido fazer-me entender, estou certa de que nunca me teriam deixado sozinha. É preciso alguém durante a noite junto de uma criança surda. É imprescindível uma presença.
Tenho ainda na cabeça outro pesadelo. Vou no banco de trás do carro e a minha mãe conduz. Chamo a minha mãe, quero fazer-lhe algumas perguntas, quero que me responda, chamo-a e ela não vira a cabeça. Insisto. Quando finalmente se volta dá-se o acidente, o carro precipita-se numa ravina e em seguida no mar. Vejo a água à minha volta. É pavoroso. Insuportável.
O acidente deu-se por minha culpa e acordo cheia de angústia.
Durante o dia chamo frequentemente a minha mãe para comunicar. Quero saber o que se passa, quero estar sempre a par de tudo, é uma necessidade. Ela é a única pessoa que me compreende de facto, usando aquela linguagem inventada desde o início, aquela linguagem " umbilical ", animal, aquele código particular, instintivo, feito de mímica e de gestos. Tenho tantas coisas amontoadas na minha cabeça, tantas perguntas, que preciso dela o tempo todo. Aquele pesadelo em que ela não me responde, não vira a cabeça para olhar para mim, era a angústia profunda da minha idade de então.
Para as crianças que aprendem muito cedo a língua gestual ou que têm pais surdos, é diferente. Esses fazem progressos notáveis. Quanto a mim, estava nitidamente atrasada, só aprendi essa língua aos sete anos. Anteriormente, eu devia ser considerada uma " débil mental ", uma selvagem. E de loucura. Como é que as coisas se passavam? Eu não tinha língua. Como é que consegui construir-me? Como é que tive entendimento? Como é que eu fazia para chamar as pessoas? Como é que eu fazia para pedir alguma coisa? Lembro-me de usar de mímica amiúde. Teria pensamentos? É evidente que sim. Mas em que pensaria eu? Na sensação de estar fechada atrás de uma porta enorme que não conseguia abrir para me fazer entender pelos outros. E puxava a minha mãe pela manga, pelo vestido, mostrava-lhe objetos diversos, uma quantidade de coisas, ela compreendia e respondia-me.
Lentamente ia fazendo progressos. Imitava palavras. " Água ", por exemplo, foi a primeira palavra que eu disse. Imitava o que via nos lábios da minha mãe. Eu não me ouvia, mas fazia um " Ô ", punha a boca em " Ô "( som idêntico a eau igual a água.). Um " Ô " que fazia vibrar a minha garganta transmitindo à minha mãe um som particular.
E assim as palavras tornaram-se coisa nossa, minha e dela, que mais ninguém conseguia entender. A minha mãe queria que eu fizesse um esforço para falar, e eu tentava, para a ajudar, mas sobretudo porque tinha vontade de apontar, de mostrar as coisas.