14 com ele . Tanto de saber coisas acerca dele .
Comecei a dizer algumas palavras . Como todas as crianças surdas , usava um aparelho auditivo , que suportava mais ou menos .
Produzia ruídos na minha cabeça , sempre os mesmos , impossíveis de diferenciar , impossíveis de utilizar , era mais cansativo do que outra coisa . Mas segundo os reeducadores assim tinha que ser ! Quantas vezes os auscultadores caíram dentro da sopa ?
A minha mãe diz que a família se consolava com lugares-comuns : " É surda , mas é tão bonitinha !" " E vai ser muito mais inteligente !"
Tenho uma soberba coleção de bonecas . Nem sei quantas . Mas tenho bonecas . Que idade terei eu ? Não sei . A idade das bonecas . A situação das bonecas . à hora de ir dormir é preciso arrumá-las , bem alinhadas . Aconchego-as , deixando-lhes as mãos por fora da colcha . Fecho-lhes os olhos . Levo muito tempo com esta tarefa antes de me ir deitar . Falo com elas , usando certamente o mesmo código que a minha mãe usa comigo . O gesto para dormir . E uma vez todas as bonecas metidas na cama , posso também eu ir deitar-me e dormir .
É engraçado , arrumo as bonecas de forma metódica , embora na minha cabeça tudo esteja completamente desordenado . Tudo é vago e misturado . Ainda hoje me interrogo por que é que eu faria isso . Por que é que eu demorava séculos a arrumar as bonecas . Sacudiam-me para que eu fosse para a cama . Aquilo enervava o meu pai , enervava toda a gente . Mas eu não conseguia adormecer se as minhas bonecas não estivessem bem arrumadas . Era preciso que ficassem perfeitamente alinhadas , de olhos fechados , a colcha esticada ao milímetro , os braços por cima . Era duma precisão diabólica , apesar da desordem que ia dentro da minha cabeça . Talvez eu estivesse a arrumar todas as experiências que vivera durante o dia , em plena desordem , antes de ir dormir . Talvez eu estivesse a tentar exprimir a arrumação dessa mesma desordem ... à noite , dormia sossegada e calma , como uma boneca . Uma boneca não fala .
Vivi no silêncio porque não comunicava . Será isso o verdadeiro silêncio ? A escuridão completa da incomunicabilidade ? Para mim , toda a gente representava um negro silêncio , a não ser os meus pais , sobretudo a minha mãe .
O silêncio tem pois um significado que a meu ver não é senão a ausência da comunicação . Embora eu nunca tenha vivido num completo silêncio . Tenho os meus próprios ruídos , inexplicáveis para quem ouve . Tenho a minha imaginação e ela tem os seus ruídos em imagens . Imagino sons a cores . O silêncio que eu vivo é a cores , nunca é a preto e branco .
Os ruídos daqueles que ouvem são também em imagens , para mim ,