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mim incapaz de inventar fosse o que fosse que permitisse estabelecer um elo entre nós. Por vezes já nem conseguia brincar. Já não me dizia nada. Pensava: " Não posso dizer que a amo, pois ela não me ouve.", Encontrava-se em estado de choque. Petrificada. Não conseguia sequer refletir.
Da minha primeira infância, as recordações são estranhas.
Um caos na minha cabeça, uma sequencia de imagens sem relação entre si, como sequencias de um filme montadas umas atrás das outras, com longas tiras negras, grandes espaços perdidos. Entre os zero e os sete anos, a minha vida está cheia de lacunas. Só tenho recordações visuais. Como flash-backs, imagens de que ignoro a cronologia. Creio que não havia rigorosamente nada no meu cérebro durante esse período. Futuro, passado, tudo estava na mesma linha de espaço-tempo.
A mãe dizia ontem... e eu não sabia onde era ontem, o que era ontem. E amanhã também não. E não podia perguntar-lhe. Estava impotente, não tinha a menor consciência da passagem do tempo. Havia a luz do dia, a escuridão da noite e era tudo. Ainda não consigo pôr datas nesse período de zero a sete anos. Nem ordenar aquilo que fiz.
O tempo era o momento presente. Descobria as situações em cima da hora. Talvez haja recordações enterradas na minha cabeça mas sem ligações entre si e não consigo reencontrá-las.
Os acontecimentos, devo dizer mais concretamente as situações, as cenas, pois tudo era visual, vivia-as eu todas como uma situação única, a do agora. Ao tentar juntar o puzzle da minha primeira infância para escrever, só encontrei farrapos de imagens. As outras percepções estão num caos inacessível à recordação. Ignoro sinceramente como consegui desembaraçar-me durante aquele período em que vivi mergulhada entre a ausência da linguagem, a solidão e o muro de silêncio. A mãe diz:
- " Estavas sentada na cama, vias-me desaparecer e regressar com surpresa. Não sabias onde eu ia, à cozinha, por exemplo; eu era a imagem da mãe que desaparecia, e em seguida a mãe que voltava, sem ligação entre ambas."