O voo da Gaivota 1 | Page 11

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"- Bem vê que é absurdo!"
Não lhe perdoei. Nem a mim própria por ter acreditado nele. Depois dessa consulta eu e o teu pai demos início a um período de angústia e permanente observação. Assobiávamos, chamávamos-te, batíamos com as portas, víamos-te bater palmas, agitares-te como se dançasses ao som da música... Tão depressa acreditávamos como já não acreditávamos. Sentíamo-nos perdidos.
Aos nove meses levei-te a um especialista que me disse de imediato que tinhas nascido com uma surdez profunda. Foi um rude golpe. Eu não queria admiti-lo nem o teu pai. Repetíamos:
" Foi um erro de diagnóstico. É impossível..." Fomos a outro especialista e eu ia cheia de esperanças que ele sorrisse e nos mandasse embora, sossegando-nos. " Fomos ter com o teu pai ao Hospital Trousseau, tu estavas sentada ao meu colo e aí compreendi. Durante os testes faziam sons fortíssimos que nos dilaceravam os tímpanos, e tu ficavas impávida.
" Fiz perguntas ao especialista. Três perguntas: "- Virá a falar? "- Sim. Mas será um processo demorado. "- O que hei de fazer?”
"- Vai usar um aparelho, fazer reeducação ortofônica precoce e sobretudo nada de língua gestual.“
"- Posso avistar-me com adultos surdos?“
"- Não seria aconselhável, pertencem a uma geração que não conhece a reeducação precoce. Ficaria desmoralizada e desiludida.
O teu pai estava completamente desesperado e eu chorava. De onde teria vindo aquela " maldição "? Hereditariedade genética? Alguma doença durante a gravidez? Sentia-me culpada, assim como o teu pai. Procurámos em vão quem é que na família poderia ser surdo, quer de um lado quer do outro.
Compreendo o choque que tiveram. Os pais culpabilizam sempre, procuram sempre alguém a quem culpar. Mas atirar as culpas da surdez de um filho a um ou a outro, ao pai ou à mãe, é terrível para a criança. Ninguém deve fazê-lo. No que me diz respeito, não se sabe nada. Possivelmente não se saberá nunca. E talvez seja melhor assim.
A minha mãe diz que já não sabia o que fazer comigo. Olhava para