O Tijolo- 1º bimestre 2018 O Tijolo- 1º bimestre 2018 | Page 13
depois de alguns segundos nos separamos e ficamos nos encarando, ele piscava bastante me dando rápidos relances
do olho de abutre, quando ia abrir a boca eu o cortei e murmurei um rápido “me desculpe” antes de subir minhas
mãos até seu pescoço, apertando-o.
Primeiro, veio a confusão, suas sobrancelhas se franziram e ele tentou se afastar, eu não deixei. Depois, veio o pânico,
tentava a todo custo se soltar, quanto mais tentava mais forte eu apertava seu pescoço. Seu rosto ma- cilento foi
adquirindo uma coloração arroxeada e só quando ele parou de lutar eu soube que o velho estava morto, eu larguei
seu corpo no chão e me aproximei de um dos bonecos de cera, sem titubear eu empurrei o boneco para trás e ele se
quebrou com baque surdo no chão coberto por neve, peguei o suporte que o susten- tava e tentei apoiar o velho lá
para fazer o resto de meu serviço.
Com a faca eu arranquei o olho de abutre do rosto do velho, posso dizer que foi demorado, difícil e muito
nojento, deixei o objeto de meu desprezo aos pés do Cavaleiro e fui do outro lado da praça buscar o gesso e as
espátulas, preparei uma liga do gesso com a neve que se derretia ao meu toque e passei diversas camadas da
mistura no cadáver do velho.
Levou-se quase a noite inteira mas o gesso havia secado, com extrema dificuldade eu levei o velho para perto
dos outros bonecos de cera, o cobri com a manta do manequim que havia danificado mais cedo e voltei
minhas atenções ao olho de abutre, era gosmento e segurá-lo me dava ânsia de vômito. Peguei a aguardente e
embebi o olho em parte do conteúdo da garrafa. Me aproximei da estátua do velho e encharquei a manta que
cobria ele e os bonecos próximos. Tirei a neve do chão próximo a ele e coloquei o olho lá, me afastei, respirei
fundo e acendi o isqueiro.
Pulei um pouco assustado quando a chama quase me pegou, esfreguei meu nariz com a manga do casaco
só para ter certeza de que ainda estava lá e assisti pouco a pouco, o velho, os bonecos de cera e o olho serem
consumidos pelas labaredas.
A vontade de ficar e apreciar meu trabalho era grande mas o meu senso de autopreservação era maior,
então prontamente me virei pela direção oposta e saí correndo com um sorriso no rosto, uma sensação de
dever cumprido e o alívio de saber que nunca mais teria que encarar o olho de abutre do velho.