O lugar da Memória em Bento Rodrigues – Mariana / MG O lugar da memória em Bento Rodrigues | страница 7
SOBRE MEMÓRIA
COLETIVA, PATRIMÔNIO
CULTURAL E LUGARES DE
MEMÓRIA:
FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA
been torn--but torn in such a way as to pose the problem
of the embodiment of memory in certain sites where a
sense of historical continuity persists. There are lieux de
mémoire, sites os memory, because there are no longer
milieux de mémoire, real environments of memory”.
(NORA, 1989, p. 7)
Neste sentido, cabe aqui traçar alguns apontamentos acerca das
ruínas em uma tentativa analítica de compreender o processo de
rememoração pelo qual passa Bento Rodrigues e que envolve
também, mais precisamente, um processo de patrimonialização.
1.1.3 Ruína
A ruína tem uma natureza de retorno a um passado perdido e
funciona tanto como forma de imersão e entendimento desse
passado, quanto como um registro histórico de outros tempos no
tempo atual. Sendo algo material que esteve presente no tempo
antigo e permanece vivo, mesmo que alterado, tendo continuidade
no tempo presente, tem as funções de testemunho e cumpre o papel
de narrar parte da história, como um desdobramento dessa
(SANTIAGO JÚNIOR, 2015).
Para Santiago Junior (2015, p. 257):
“A ruína não nasce pela lembrança, mas ancora
perturbações nos movimentos da memória e da história,
mostrando o passado visível em sua presença e pronto a
ser revivido conforme as necessidades do momento. A
noção de revivificação não deve ser entendida como
um engano teórico da discussão memorial, mas sim
como uma categoria antropológica, dotada de sua
própria positividade, pois permite pensar que o passado
é concebido como convocável pelos sujeitos do
presente para mostrar/dizer ao homem o seu próprio
tempo”.
Nesse processo de construção patrimonial, os monumentos históricos
foram aceitos (ou concebidos historicamente) como material
historiográfico incontestável, definindo-se como aqueles elementos que
têm sua função ressignificada, transformando ao longo do tempo, a
função para a qual foi erigido e designado, passando a possuir uma
função memorial histórica. Os monumentos, em sua essência, são
considerados parte orgânica do passado e, na medida em que os
possuímos ou os olhamos, estabelecemos, por seu intermédio, uma
relação de continuidade com esse passado (GONÇALVES, 1996).
Para o historiador Jacques Le Goff:
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“o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no
passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças
que operam no desenvolvimento temporal do mundo e
da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência
do passado e do tempo que passa, os historiadores.
Estes materiais da memória podem apresentar-se sob
duas formas principais: os monumentos, herança do
passado, e os documentos, escolha do historiador” (LE
GOFF, 1996, p. 535).
Os bens patrimoniais podem apresentar diferentes valores de memória,
como apontado por Alois Riegl (1984): valor de antiguidade, no qual
marca a passagem do tempo; valor de comemoração, no qual expressa
uma continuidade na retomada de um passado e valor histórico, no qual
atua como prova de um passado do qual fez parte.
Essas reflexões nos levam a buscar entender: Quais os símbolos de
identidade e memória em Bento Rodrigues? O que se deseja
rememorar? Em um olhar atento ao grupo social que vivenciou e
construiu coletivamente este lugar.
1.1.4 A relação comportamento humano e ambiente
É evidente a influência dos espaços sobre os seres que o habitam, a
relação com o território, a paisagem e todos os aspectos decorrentes
são responsáveis por estimular o senso de pertencimento. Primeiramente,
através da percepção, a relação das pessoas com os ambientes nos
quais estão inseridas é criada.
O sujeito se identifica com determinado ambiente, não apenas por
percebê-lo, mas também, e principalmente, por fazer parte dele
cotidianamente, por ser parte integrante desse ambiente (PINHEIRO,
1997). Portanto, a relação é de interdependência, como apontado por
Barker, o behavior setting se define como a relação bidirecional entre os
padrões comportamentais, ou acontecimentos da vida cotidiana
coletiva e o ambiente.
Portanto, behavior settings seriam “(...) padrões de comportamento
vinculados a uma localização geográfica e ocorrendo em períodos
regulares de tempo, expressa a relação de interdependência entre
ambiente e comportamento” (PINHEIRO, 2011, pp. 88 e 89).
Decorre também desta tentativa de explorar panoramicamente os
comportamentos humanos e suas relações com o ambiente, um interesse
em investigar um aspecto que permeou a população de Bento
Rodrigues: o medo.
O medo é constante desde o início da civilização. Inicialmente
prevalecia o medo dos desastres naturais, humores do clima, seca, fome,
dos predadores. Quanto mais o homem passa a dominar a natureza,
diminui-se o medo dela e paralelamente o próprio homem torna-se
ameaça. O medo predominante das civilizações modernas é do próprio
homem e seus feitos.
No caso de Bento Rodrigues, pode-se fazer um paralelo com o medo
dos moradores, majoritariamente dependentes da atividade de
mineração e da Samarco, em perder os seus empregos após o desastre,
em que apesar da empresa ter destruído o seu vilarejo, ainda a
defendiam. Também no subdistrito existia o constante estado de alerta,
pela sua localização próxima à barragem. Sabia-se do perigo e convivia-
se com o medo.