O lugar da Memória em Bento Rodrigues – Mariana / MG O lugar da memória em Bento Rodrigues | Page 8

SOBRE MEMÓRIA COLETIVA, PATRIMÔNIO CULTURAL E LUGARES DE MEMÓRIA: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para Yi-Fu Tuan (2005), as manifestações de medo das sociedades contemporâneas e passadas, constatam que o medo esteve sempre presente na história humana independente do ambiente, momento ou circunstância, existindo racional e irracionalmente e decorrendo das mais variadas fontes. Tuan distingue o medo do sentimento de ansiedade, que seria a antecipação ao perigo. No caso de Bento Rodrigues, as barragens sempre foram motivo de medo, embora não houvesse um perigo evidente (visto que para o senso comum eram consideradas seguras do ponto de vista estrutural), a dúvida sempre esteve presente. O autor conceitua o medo: “O que é medo? É um sentimento complexo, no qual se distinguem claramente dois componentes: sinal de alarme e ansiedade. O sinal de alarme é detonado por um evento inesperado e impeditivo no meio ambiente, e a resposta instintiva do animal é enfrentar ou fugir. Por outro lado, a ansiedade é uma sensação difusa de medo e pressupõe uma habilidade de antecipação. Comumente acontece quando um animal está em um ambiente estranho e desorientador, longe de seu território, os objetos e figuras conhecidas que lhe dão apoio. A ansiedade é um pressentimento de perigo quando nada existe nas proximidades que justifique o medo. A necessidade de agir é refreada pela ausência de qualquer ameaça”. (TUAN, 2005, p. 10). A partir desse relato podem-se fazer alguns paralelos com a realidade da população de Bento Rodrigues. O desastre-crime tanto gerou e despertou essas sensações de medo e ansiedade no momento de sua ocorrência como provocou também, posteriormente, uma desterritorialização. Essa, por sua vez, gera perdas imensuráveis no sentido do pertencimento, das sensações de familiaridade e de identidade. A seguir, uma breve tentativa de conhecer possíveis modos de recuperação desses laços e da memória coletiva, a partir da materialização de percepções em espaços físicos. 1.2 Museus e Memoriais: materialização de lembranças e esquecimentos. Já os memoriais não possuem uma definição tão específica quanto os museus, fica a cargo dos órgãos administrativos a sua interpretação. Ao que se sabe, a origem da palavra é “memorialis”, que significa registro que auxilia a memória, ou aquilo que serve para fixar a memória. Basicamente, pauta-se em atividades que visam a identificação de ações de memória existentes associadas a um grupo social. São monumentos à memória onde a cultura material é o meio e não fim. Referências projetuais Os memoriais, conforme citado anteriormente, são considerados um tipo de lugar de memória, um local de rememoração, assim como os museus. Para melhor compreensão deste conceito, buscou-se reunir variados tipos de referenciais projetuais, mas principalmente, procurou- se selecionar os memoriais de temática relacionada à dor, perda e ausência, por ser o cerne do projeto deste trabalho. De acordo com Fabíola Zonno (2017) a categoria dos chamados “Memoriais da dor”, buscam por meio do aspecto estético propiciar uma experiência ao visitante e assim transmitir o significado pretendido. Assim, são utilizados diversos meios para se atingir esse objetivo, sejam esculturas, paisagem e a própria arquitetura, ou todos os meios em conjunto. 1.2.1 Museus do território e ecomuseus Os chamados museus do território ou ecomuseus são os museus cujas coleções são representativas de uma população e um território e cuja ligação a esse mesmo território se concretiza através de um conjunto de ações em articulação com a comunidade e outras instituições locais. Procura enfatizar as particularidades da natureza e essência dessa comunidade, num processo evolutivo da sua própria identidade cultural. Estes diferem do museu tradicional em alguns aspectos fundamentais: a ênfase no território (não no prédio institucional), no patrimônio (não na coleção) e na comunidade (não nos visitantes). Esse modelo de museu opera processos de musealização in-situ, ou seja, o objeto musealizado não é apartado do seu contexto de ambiência, mas todo o ambiente/território na integralidade são musealizados. Os museus são definidos como as instituições, lugares, experiências ou territórios que têm por objetivos estudar e apresentar testemunhos materiais e imateriais do homem e do meio. São também, portanto, lugares de memória. 08 Segundo Schärer é um lugar onde são salvaguardadas e estudadas as coisas que têm valores em si e onde também se comunica à sociedade para que se interprete os fatos ausentes a partir desses símbolos. (SCHÄRER, 2008). Figura 1: Museu do território de Paraty. Fonte: www.museudoterritoriodeparaty.org.br/o-museu-do-territorio-de-paraty/