O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 9

quanto os automóveis que começavam a circular pelas Ruas de Barcelona perdiam óleo: com abundância de títulos de nobreza, a dinastia dos Vidal dedicava-se agora a colecionar bancos e mansões do tamanho de pequenos principados no Ensanche. Pedro Vidal foi a primeira pessoa a quem mostrei os esboços que escrevia quando era apenas um menino e trabalhava entregando café e cigarros na redação. Sempre teve tempo para mim, para ler meus escritos e dar bons conselhos. Com o tempo, chamou-me para ser seu assistente e permitia que datilografasse seus textos. Certo dia anunciou que, se queria mesmo apostar meu destino na roleta-russa da literatura, estava disposto a me ajudar e a guiar meus primeiros passos. Fiel à palavra dada, tinha me jogado nas garras de dom Basilio, o cão de guarda do jornal. — Vidal é um sentimental que ainda acredita em lendas profundamente antiespanholas, como a meritocracia, e em dar oportunidade a quem merece e não ao apadrinhado da vez. Rico como é, pode dar uma de lírico pelo mundo afora. Se tivesse um centésimo da grana que sobra para ele, teria me dedicado a escrever sonetos, e os passarinhos viriam comer na minha mão, fascinados por minha bondade e meu encanto. — O Sr. Vidal é um grande homem — protestei eu. — É mais do que isso. É um santo porque, apesar dessa sua pinta de morto de fome, há semanas que ele me aporrinha com exemplos de como é talentoso e trabalhador o caçula da redação. Ele sabe que, no fundo, sou um sentimental e, além do mais, garantiu que, se eu lhe der uma oportunidade, ele me dará uma caixa de havanas. E se Vidal pede, para mim é como se Moisés descesse do monte Sinai com os Dez Mandamentos numa mão e a verdade revelada na outra. De modo que, concluindo, como é Natal e para que seu amigo feche a porra da matraca de uma vez por todas, vou convidá-lo para estrear como os heróis: contra a corrente dos ventos e das marés. — Muitíssimo obrigado, dom Basilio. Garanto que não vai se arrepender de... — Menos, meu caro. Vejamos o que pensa do uso generoso e indiscriminado de advérbios e adjetivos... — Que é uma vergonha e deveria ser crime previsto no código penal — respondi com a convicção de um crente militante. Dom Basilio concordou com entusiasmo. — Muito bem, Martín. Tem prioridades claras. Os que sobrevivem nessa profissão são os que têm prioridades e não os que têm princípios. Eis o plano. Pode sentar e trate de entender, pois não vou repetir duas vezes.