O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 8

Durante alguns minutos, o subdiretor metralhou o texto, corrigindo, quando não amputando, e resmungando como se eu não estivesse ali. Sem saber o que fazer, vi que havia uma cadeira encostada na parede e fiz menção de sentar.
— Quem disse que podia se sentar?— murmurou dom Basilio, sem levantar os olhos do texto.
Levantei apressadamente e contive a respiração. O subdiretor suspirou, deixou cair o lápis vermelho e reclinou-se em sua poltrona para examinar-me como se eu fosse um traste imprestável.— Me disseram que você escreve, Martín. Engoli em seco e quando abri a boca, só o que saiu foi um ridículo fio de voz.— Bem, um pouco, quer dizer, não sei... Ou seja, sim, escrevo...— Espero que escreva melhor do que fala. Mas escreve o quê, se não for demais perguntar?— Histórias policiais. Quero dizer...— Já peguei a ideia. O olhar com que dom Basílio me brindou é indescritível. Se eu tivesse dito que me dedicava a fazer figurinhas de presépio com esterco fresco teria obtido o triplo de entusiasmo. Suspirou de novo e deu de ombros.
— Vidal diz que o senhor não é de todo mau. Que se destaca do resto. Claro que, com a competência que se vê por essas bandas, também não é preciso ser grande coisa. Mas se Vidal falou.
Pedro Vidal era a estrela literária de La Voz de la Industria. Escrevia uma crônica semanal na editoria de polícia, que constituía a única coisa que merecia ser lida em todo o jornal, e era autor de uma dezena de livros de suspense sobre gângsteres do bairro do Raval vivendo em promiscuidade com damas da alta sociedade, os quais lhe garantiram uma modesta notoriedade. Metido invariavelmente em impecáveis ternos de seda e reluzentes mocassins italianos, Vidal tinha os traços e os gestos de um galã de sessão da tarde: cabelo louro sempre bem penteado, bigode espetado e o sorriso fácil e generoso de quem se sente bem na própria pele e no mundo. Provinha de uma dinastia de imigrantes que tinha feito fortuna nas Américas com negócios de açúcar e que, na volta à Espanha, tinha cravado os dentes numa suculenta fatia do plano de eletrificação da cidade. Seu pai, o patriarca do clã, era um dos acionistas majoritários do jornal, e dom Pedro usava a redação como pátio de recreio para matar o tédio de nunca, nem um único dia de sua vida, ter trabalhado por necessidade. Pouco importava que o diário perdesse tanto dinheiro