PDL – PROJETO DEMOCRATIZAÇÃO DA LEITURA
— Que lugar é esse ? Sempere piscou o olho e deu aquele sorriso misterioso que parecia roubado de um folhetim de Alexandre Dumas e que , diziam , era marca de família . — Tudo tem seu tempo , meu amigo . Tudo tem seu tempo . Meu pai passou a semana inteira cabisbaixo , os olhos no chão , corroído pelo remorso . Comprou uma lâmpada nova e chegou a dizer que , se quisesse acendê-la , que o fizesse , mas não por muito tempo , pois a eletricidade era muito cara . Mas preferi não brincar com fogo . No sábado daquela mesma semana , meu pai quis comprar um livro para mim e foi a uma livraria na Rua da Palia , em frente à velha muralha romana , a primeira e última em que pisava . Porém , como não podia ler os títulos nas lombadas das centenas de livros ali expostos , saiu de mãos vazias e , em seguida , me deu dinheiro , mais do que de costume , e disse que comprasse o que quisesse . Achei que aquele era o momento certo para trazer à baila um assunto para o qual procurava , há muito tempo , uma ocasião propícia .
— Dona Mariana , a professora , pediu que perguntasse se pode passar na escola um dia para conversar com ela — soltei . — Falar de quê ? O que andou aprontando ? — Nada , pai . Dona Mariana queria falar sobre minha educação futura . Disse que tenho possibilidades e que poderia me ajudar a conseguir uma bolsa para estudar na Escola Pias ...
— Quem essa mulher pensa que é para encher sua cabeça de caraminholas e dizer que vai botar você numa escola de filhinhos de papai ? Sabe como é essa gentinha ? Sabe como vão olhar para você e como vão tratá-lo quando souberem de onde vem ? Baixei os olhos . — Dona Mariana só quer ajudar , pai . Nada mais . Não se aborreça . Vou dizer que não vai dar e pronto . Meu pai olhou para mim com raiva , mas respirou fundo várias vezes e conseguiu se conter , fechando os olhos antes de dizer mais alguma coisa . — Vamos melhorar de vida , entendeu ? Você e eu . Sem as esmolas desses filhos da puta . E com a cabeça bem alta . — Sim , pai . Meu pai pôs a mão em meu ombro e olhou para mim como se , por um breve instante que nunca voltaria , estivesse orgulhoso de mim , embora fôssemos tão diferentes , embora eu gostasse de livros que ele não podia nem ler , embora ela tivesse nos abandonado , aos dois , eu e ele , um contra o outro . Naquele momento , acreditei que meu pai era o melhor